UM CHEIRO DE PODRE NO AR
Seu Geraldo parou na porta da loja e ficou olhando para o chão que eu havia pintado na noite anterior. Todos os dias, logo pela manhã, assim que eu abria a loja ele aparecia por ali para fazer a sua fezinha. Estávamos em época de Copa do mundo e todos os brasileiros estavam maravilhados com a dupla de ataque Bebeto e Romário. E eu, como não poderia ser diferente, tomado pela euforia do amor patriótico, pintei o chão da loja de amarelo canarinho. Seu Geraldo correu os olhos pelo chão e abriu o seu costumeiro sorriso de dentes corroídos pela nicotina do cigarro.
---- Que bonito seu Ferretti! O senhor pintou o chão com a cor da camisa da nossa seleção!
----É isso ai seu Geraldo! Pintei de amarelo canarinho!
Seu Geraldo veio caminhando lentamente em minha direção enquanto observava a minha obra prima.
----Parabéns! Ficou muito bonito! Foi o senhor mesmo quem pintou?
----Foi sim! Ontem, no fim da tarde, quando fechei a loja, aproveitei que estava sem fazer nada e pintei o chão em homenagem à seleção brasileira.
Seu Geraldo parou perto de mim, junto ao balcão, chupou o nariz umas três vezes como se tivesse sentido o cheiro de algo estranho, olhou por toda a loja e retrucou:
---- Mas seu Ivan, que cacete de tinta fedida é essa? Ta cheirando bosta! É tinta recuperada?
Olhei pra cara do seu Geraldo e até sentei no chão de tanto rir. E ele, sem entender o que estava acontecendo, apenas me observava, pensando, talvez, que eu estivesse ficando louco. Até que finalmente a ficha caiu e ele gritou:
----Desgraçado! Pelo amor de Deus! Você ta podre? Cuida da alma porque o corpo já era! Parece até que você comeu sopa de urubu!
Seu Geraldo correu pra fora da loja e lá da calçada ficou abanando o nariz com as mãos, enquanto eu, de dentro da loja me arrebentava na gargalhada. Talvez aquele tenha sido o dia em que eu mais ri na minha vida. Não vou esquecer nunca da cara do Seu Geraldo quando sentiu o cheiro daquilo que ele pensou que fosse a coitada da tinta.