MEU PAI ( 5ª PARTE )
Hoje, aos 50 anos, e pai de família, sei que não era fácil para meu pai sustentar o número de filhos, que éramos em casa. Entretanto, não exigíamos nada de exótico. Queríamos ou pelo menos eu queria, era ter o trivial, o suficiente para não passar necessidade. Queria morar numa casa onde não houvesse tantas goteiras, em condições de manter uma higiene decente, com um banheiro limpo e água quente para tomar banho.
E o pai tinha condições financeiras para isso. Mas o que eu via era desperdício de dinheiro em projetos vagos, desnecessários, que nunca beneficiaram a família. Isso me revoltava. Imagine um adolescente sadio, inteligente, com os hormônios à flor da pele, passando necessidade, vexame, vergonha. Esse era eu. Só o que eu ouvia do pai, eram reclamações e xingamentos, com palavras nefastas e desestimuladoras, como manobra de defesa e ataque.
O tempo passando e eu crescendo num ambiente hostil. Muita revolta. Muitas brigas. Muita violência. Muito desrespeito de pai para filho e de filho para pai. Sei, agora, que meu pai fora fruto da educação ou modo de encarar a vida enérgica, antiquada de meus avós. Aprendi que cada homem é fruto de seu tempo. O pai não fugiu a essa regra.
Passei por períodos revoltantes e conflituosos na adolescência. Não conseguia entender e nem equacionar as complicações familiares. Tinha muitos sonhos e não podia conta-los à ninguém. Era desconfiado. Tinha angústias e ninguém para desabafar. Era solitário. Muitas dúvidas e nada de soluções. Eu me tornara um adolescente problemático.
Na escola eu me destacava, mas em casa eu era um fracasso. Por causa de minha rebeldia e minhas reivindicações, eu me tornara um fardo e uma pedra no sapato de meu pai. Cada vez que eu apontava um erro seu, nos distanciávamos mais e mais. Às vezes penso que fui implacável e crítico demais para com meu pai. Mas foi inevitável na época.
Aos 17 anos de idade terminei o ensino médio, o chamado colegial, na época. Eu já havia feito alguns bicos para ganhar meu dinheiro. Fui garçom, servente de pedreiro e trabalhei numa fábrica na cidade. O sonho de ser escritor estava lá, guardado no fundo de mim. Ninguém sabia desse meu sonho. Eu não tinha a quem contar.
A situação em casa piorava. O pai com o passar dos anos, mais radicalizava seu modo de ser. Continuava com seus desmandos. A necessidade batendo à nossa porta. A mãe saiu para trabalhar fora de casa eu fiquei extremamente revoltado com isso. Como podia—pensava eu—termos vários bens materiais e tão pouco usufruirmos. Se o que tínhamos fosse bem administrado, minha mãe não precisaria se sujeitar ao trabalho fora de casa, e nem levaríamos aquela situação miserável para dentro de casa.
Não adiantava falar com o pai, sobre nossa situação. A mãe tentou. Eu tentei. Fomos rechaçados. Para ele tudo estava bom e bem. Dizia que o problema estava em nós. Aliás, em mim. Sua bronca se concentrava no filho que queria mudar o status quo da família. E eu não recuava. Viver ali, naquelas condições, me magoava e me revoltava mais e mais.
Nos dias chuvosos, minha tristeza e revolta aumentavam. Chovia mais dentro de casa, do que fora. Pensava nos meus colegas, de minha idade e sentia-me humilhado, diminuído, envergonhado. Eu precisava mudar aquela situação. Mas como? O grande entrave era meu pai. Como combater meu próprio pai?
(continua)