A Filha do Inverno

A Filha do Inverno

E ela só precisa saber quem era. No fundo, os sons abafados que vinha de sua alma não só a definiam como também a atormentavam terrivelmente. Precisava entregar-se a si mesma. Precisava superar todo o barulho ensurdecedor que vinha de seu peito atormentado e descobrir de pronto quais coisas a definiam. Lágrimas não iriam trazer sua antiga alma de volta. Remédios não sufocariam sua perda. Um toque, um sussurro, um beijo... sim essas coisas a fariam sentir-se melhor. Abriu os olhos. Nem quis escutar. Fechou os olhos novamente e colocou-se a entender o que os sons ao seu redor queriam gritar. Seu cérebro pesava como se estivesse a mil metros de profundidade numa pressão batmétrica absurda, sentia os dedos rígidos e frios e tratou de esquentá-los por debaixo da blusa. Continuou sentada esperando as palavras fluírem ao seu redor e sua capacidade de paciência imperar. Seria pedir muito um pouco de paz. Silêncio. Solitude. Desejou profundamente ser o único ser humano no mundo. Só desejava estar sozinha com seus sons fantasmas. Ela precisava perder o juízo, precisava voltar a sua própria gênese e se despir de toda e qualquer vontade. Nem ela mesma poderia ser contra tudo o que o destino havia reservado a sua existência. E foi tão perto de sua vontades, que viu todo o seu esforço quase perder-se num lapso de tempo, por mais forte que parecesse ela no fundo era uma garota frágil e solitária. Encontraria a chave que abriria sua mente para o presente. Sentir-se bem era imperável no momento. Levou a mão fria à nuca. Seu corpo respondeu ao toque de uma forma automática. Sentiu-se viva, e sabia que tudo o que precisava era salvar sua memória. Todo estímulo que precisava estava logo ali ao seu alcance. O mais propenso seria esquivar-se se responsabilidades e sair ao mundo sem destino. Uma lágrima quente escorreu sob sua face pálida, lembrou-se da dança harmoniosa que por tanto tempo embalou sua vida e trouxe tanta alegria, e também de todas as mudanças que foi capaz de colocar em sua vida. Ela tinha que aceitar e abrir-se a outras possibilidades de amar. Aceitaria os conselhos como uma ultima oferta de gorjeta do destino. Deveria ser bom ter a vida toda resolvida. Passar por todos os estágios de evolução e ainda continuar sobrevivendo. "Vamos" - seu subconsciente a desafiava convidando-a a ter um reencontro e acordo consigo mesma, e a não se deixar de castigo pelo resto da vida por estar cansada de carregar o peso do mundo todo em seus ombros. Dormiria em paz naquela noite. Levantou-se, apanhou as chaves, fechou a porta, e nunca mais olhou para trás. Nunca. Não existia nada proibido que não pudesse fazer. Ela era filha do inverno e estava de volta para si mesma e para tudo que pudesse trazê-la de volta a vida, e aquele era o dia perfeito para começar. Perfeito.

Malibe, hoje.

15.03.2015