MEU PAI ( 1ª parte )
Sinto ser difícil falar sobre o meu relacionamento com o pai. Vivi em sua companhia vinte e nove anos. Muitas alegrias quando eu era pequeno. Muitos sonhos e muitas ilusões. O pai para mim era como um ser mágico que conseguia fazer coisas mirabolantes, tinha uma força física descomunal. Mas aconteceram tantas tristezas, decepções e muitas desilusões que acabaram me afastando de meu pai.
Fui gerado por um homem nascido nos anos vinte do século passado. Época de um Brasil caminhando lentamente dentro da chamada Primeira República. Um Brasil de homens enérgicos, duros, leais e trabalhadores. O pai era um desses homens. Nascido na roça e formado no cabo da enxada, se fez trabalhador rural como a maioria daqueles que não tiveram a oportunidade de estudar, por ter nascido em família pobre.
Minha avó, negra, neta de ex-escravos, era o exemplo de mãe e esposa dedicada ao marido, aos filhos e ao lar. Viveu num tempo e num mundo preconceituoso onde ser mulher e negra, era muito difícil de sobreviver.
Meu avô, branco, filho de espanhóis, era homem de média estatura, olhos muito claros e gostava de beber boa cachaça. Aliás, era o meu pai, quando menino, o filho que estava sempre com meu avô cuidando para que ele voltasse inteiro para casa. Era o pai que o levava para casa trilhando caminhos e cortando pastos, com meu avô a tiracolo, totalmente bêbado. Embriaguez contraída naquelas vendas existentes, naqueles lugarejos de fim de mundo, que surgiam ao redor das grandes fazendas de café, existentes no sertão paulista.
Aos dezoito anos de idade, o pai afastou-se do lar paterno e foi trabalhar como colono numa grande fazenda de café. Lá, sozinho, ele cuidava de seis mil pés da rubiácea, empregando toda a sua jovem energia, trabalhando nesta lavoura. Antes do sol nascer, ele ia para a roça e só voltava, quando o sol se punha no horizonte.
O pai foi um moço bem apessoado, na flor de seus dezoito anos. Foi noivo nove vezes. E o último desses noivados, foi com uma moça chamada Malvina. O casamento não aconteceu. O pai desistiu. Era festeiro demais. E não sentiu em Malvina, a companheira para toda a vida.
As festas nas fazendas de café eram divertidas e regadas com fartos almoços, jantares e com bailes para toda a classe trabalhadora. O local dos bailes era geralmente as tulhas, locais de armazenamento das sacas de café, colhidos em farta e generosa safra.
(continua)