Não-estória de uma madrugada embaçada
Acordei de madrugada e me senti estranho. Instintivamente me sentei na cama, o raciocínio ainda não lúcido devido ao recém-regresso do universo alternativo quimérico do sono, vivenciando uma dimensão fracionária. Eu estava bastante esquisito comigo mesmo, meu ombro esquerdo mais pesado que o usual naquela escuridão silente. Eu jurava que eu estava com o braço esquerdo à altura do peito, atravessando o tronco horizontalmente, mas quando depositei minha mão direita sobre o meu colo percebi que havia alguma coisa ali. Era o meu braço esquerdo. Não consegui mover meu braço esquerdo, e o ergui com meu braço direito, só para descobrir que o comportamento mecânico do esquerdo era similar ao de uma maria-mole. Só que essa maria-mole não tinha coco e não era doce, e era pra ser feita de carne morta. A primeira coisa que pensei foi: Será que meu braço esquerdo se desacoplou do meu ombro e caiu nas minhas coxas? Depois, refleti: Será que o meu braço esquerdo está roxo? Logo em seguida: Será que isto é um pesadelo? Mas não parecia ser um pesadelo, pois quando se está acordado se tem a certeza de que se está acordado. E mesmo que eu estivesse ainda em fase de transição sonho-realidade, tive uma ideia relativamente brilhante - dadas as condições no momento - de pegar o meu celular para iluminar meu braço e averiguá-lo. Portanto, estiquei meu braço útil e empunhei o celular. O brilho da tela me fez cerrar os olhos, pois minhas pupilas ainda não estavam adaptadas a esta solicitação; e cerrei ainda mais meus olhos quando ativei a lanterna de LED, de modo que tardei uns segundos até conseguir confirmar a coloração da minha pele do peso morto que era o meu outro braço. Estava branco, mas na verdade estava na cor da pele, porque a luz de LED é branca e por isso pareceu que meu braço esquerdo havia virado defunto em fase de palor mortis. Desliguei a lanterna do celular e permaneci sentado, sem saber o que fazer. Tentei solicitar os músculos, mas o braço permanecia imóvel. Percebi que estava quente, e foi aí que um novo pensamento surreal me cruzou a mente: Será que não é o braço de mais alguém aqui? Alguém está deitado na minha cama? Ou será que alguém perdeu o braço por aqui? E foi aí que eu acordei propriamente, respirando pesado na madrugada. Um minuto depois, o sangue irrigou meu braço o suficiente e eu tentei mexê-lo. Veio a dor de formigamento e então parei de me mexer e desci as pálpebras - esse fechamento de olhos foi apenas teatral, visto que não teve nenhuma funcionalidade ou efeito no breu em que eu me encontrava. Meu braço esquerdo então voltou a ser um braço meu. Deitei novamente. Minha cabeça chafurdava no travesseiro viscoelástico e voltei a dormir com os olhos arregalados.