A Quadratura do Círculo-cap. XVIII
Cheguei novamente na casa do professor Apolônio; ele me saudou, como se nada tivesse acontecido, cumprimentei-o, porém tinha algo a oferecer-lhe:
-Olhe isto- e apontei-lhe uma página que tinha impresso no computador:“Professor Apolônio- estelionatário- faz-se passar por erudito, porém só possui o ensino fundamental-processos na Justiça por falsidade ideológica, , estelionato, lesou mais de 2000 pessoas - internado duas vezes em manicômio judiciário...” e seguia-se uma lista de infrações, até de trânsito.
Ele mudou de cor de repente, passou para o branco , depois para o vermelho; não sabia onde enfiar a cara.
-E além disso nem se chama Apolônio, senhor José da Silva Rodrigues.
-Eu ,eu não quis prejudicar ninguém; sou autodidata; só que um título desses chamaria mais a atenção.
-E por que foi internado em manicômio judiciário?
-Isso é culpa de meu pai; queria que eu fosse contador como ele, de qualquer jeito; achava besteira eu perder tempo com filósofos e livros; veja a mentalidade da minha família; achou que não batia bem.
Mas, ...e essas duas mil pessoas lesadas?
-Eu não lesei ninguém; foi como com você; se quiserem dar algo por meus conselhos; isso é coisa daquela senhora casada que gamou em mim...não queria nada com ela e se vingou
.
As respostas foram razoáveis; talvez fosse mentira, mas não importava. O encanto tinha se acabado; as pessoas, sempre iguais, porém tinha boas ideias e...isso me valia; talvez fosse rigoroso demais com as pessoas: elas são assim mesmo, cheias de defeitos,mas...eu não os tinha também? Fui embora, batendo a porta, quase fazendo a cabana cair, porém voltaria, quem sabe, um dia.
Voltemos a minha família; sempre vivemos uma vida modesta, mas repleta de sonhos, enfrentando toda a sorte de dificuldades e desventuras, mas de cabeça erguida; o que nos faltava em bens, tínhamos de sobra em dignidade, em retidão e... se nossas solas eram gastas e a roupa remendada, éramos, para os nossos pais, os mais bonitos, os mais inteligentes, os mais dedicados.
Minha mãe sempre a nos animar, servindo o almoço, que dividíamos batata a batata, porção a porção; sua voz doce a nos consolar e qualquer progresso que fazíamos era, a seu ver, um prodígio, e nos valorizava como ninguém.
Quando meu pai chegava desanimado com o serviço, sério, introspectivo, esquecia dos aniversários ou não podia dar nada, ela entristecia, mas era só lhe darmos uma agulha, que aquilo era um dos tesouros mais preciosos do mundo.
Eu , minha irmã e colegas criávamos, com brinquedos velhos, latas, pedaços de pau, nosso mundo de sonhos e remendávamos a nossa falta de coisas mais substanciosas, mas para criança o que não há não existe e... esse era nosso mundo.
Meu avô nos fazia carrinhos, muito bem feitos, de caixas de fósforo, tampinhas de pasta de dente, encapados com um papel de veludo, frágeis, que se desmanchavam em nossas brincadeiras. Sentávamos no chão e ele nos contava as histórias fantásticas que ele criava; aumentava muito, contava piadas e , as horas e os sonhos voavam.