Tisnado e Dodô
Tisnado e Dodô podiam bem compor uma dupla de atacantes de time de várzea, ou uma de sertanejos, reminiscente dos tempos de Perácio e Patesko, ou de Jararaca e Ratinho. Mas preferiram investir no comércio, e dele sempre foi que viveram.
Negócio modesto, quiném a Casa Márcia lá da Badia, pra se fazer uma analogia, uma vendarmazém de utilidades domésticas e, invariavelmente, com a distinção de uma carga de rapadura sobre o balcão. A localização, numa esquina que confrontava a rua São José com a rua do Olaria, não chegava a ser central, mas satisfazia. Era passagem de muita gente pros afazeres da cidade, que iam das obrigações religiosas na matriz, ao entretenimento, tudo pro povo chamariz.
O que chamava mais a atenção do freguês habitual, ou do passante eventual é que ambos os irmãos passavam a maior parte do tempo sentados à porta de seu estabelecimento, do lado de fora. É que o espaço interno, bastante exíguo em função do amontoado de mercadorias por toda parte, no teto inclusive, tornara-se mais opressivo do que convidativo.
O forte, antes do aparecimento do plástico, eram as quinquilharias de latão, ferro ou alumínio, que se misturavam às vassouras, enxadas, foices, regadores, cordoalha, e Deus me valha, a memória até falha.
Comprar um bem em meio àquele labirinto, era um teste de sorte do encontro, ou da disposição dos vendeiros de mais procurar. Não raro, admitiam ter o produto mas pediam algum prazo para o localizar. Amanhã, era a expressão mais salutar a se encontrar.
As rapaduras do balcão não pareciam coadunar com o propósito mais utilitário do espaço. Por essa razão talvez, após anos seguidos de exposição, viviam coladas uma na outra e formavam um bloco de respeitável solidez. Formão e martelo precisam ser acionados para as desgarrar. E nem formigas pareciam para eles ligar.
Abrir ou fechar aquelas portas de madeira antiga, não pintada, era também exercício de força e de imaginação, nada impedia que se engastaiassem com alguma pilha de bens que se aluísse por algum esbarrão, ou espontaneamente.
A vida familiar dos irmãos era um outro mistério, dada a sua reserva de tocar ou obrar em assuntos pessoais. Deixa pra amanhã, rapaz.