Rose Anis

Rose Anis

Ela mancava. Sim, ela era “côxa”, como se dizia antigamente. Caminhava desajeitadamente pela calçada de pedras visivelmente incomodada e com dificuldade. Apoiava-se em uma bengala de madeira finamente lixada e com um entalhe de cobra. Havia momentos em que preferiria rastejar como um réptil a ser alvo de piadas e piedade. Atravessou a rua sem olhar para os lados, quem sabe na esperança de ser atropelada por algum cristão piedoso, mas ela já sabia que nesse truque fajuto não lograva êxito. Nunca. O máximo que já havia conseguido foi ter sido alvo de um ruidoso esbarro em um homem que a derrubou. Foi o melhor atropelamento de sua vida! Por alguns instantes havia ficado ali quase sentada no chão do asfalto olhando aquela mão morena estendida para ela, e um som de voz suave a lhe perguntar se estava machucada. Lindos olhos, Ela havia pensado naquele instante furtivo quando seus olhos se entraram deixando-a ruborizada e sem graça. Sentiu-se quase embalada em um sonho bom, onde não existam bengalas, talas metálicas e corpetes de aço. Seu coração, em engano por alguns instantes, deu um alto e ela havia dito ou pensado algo como; “apenas o meu orgulho”. Lembra-se de segurar sua mão firme para levantar e ter sido amparada suave e firmemente pelo rapaz bondoso. “Espero que não tenha se machucado” ele havia dito. “Não, obrigada, estou bem” respondera ela num sussurro lacônico. “Deixe-me ajudá-la”, ainda amparada ele a havia conduzido ao banco do passeio voltando para buscar sua bengala. Sentou-se ao seu lado enquanto ela ajeitava seus cabelos em desalinho. “Quer que eu lhe traga uma água, ou chame alguém?” ele perguntou tirando o celular do bolso da camisa. “Não precisa”, ela disse. “Não precisa se preocupar”. Ele continuou sentado e ela começou a se perguntar por que ele perguntava tanto ou se importava com ela. Ele era bonito. Um claro moreno de cabelos escuros cortados muito bem, vestido casualmente de jeans e tênis novos. Ela podia sentir o cheiro novo da calça ao mesmo tempo em que prestava atenção a seus movimentos e expressões. “Não se importe tanto comigo” ela disse. “Claro que me importo. Atropelei você e isso não tem desculpa”. Ele falou isso sorrindo e ela só podia imaginar que fosse por causa da sua bengala. Ele sorriu e passou a conversar com ela como se fossem velhos conhecidos que haviam se esbarrado na praça. Volta e meia ela sorria, e quanto mais fazia isso mais a vontade ele se sentia e continuava a conversar, e ela de fugir, sair correndo, o que na verdade nem seria possível. Ele perguntou varias coisas a ela que respondia quase em monossílabos, mal acreditando que o rapaz estava ali perdendo seu tempo e saliva com ela. Num momento ele olha o relógio e diz que precisa ir. “Não sei seu nome” ele disse. “Rose. Rose Anis.”. “Anis?” “Nem me pergunte! Não sei por que minha mãe me deu o nome de uma semente em forma de estrela.” “Que diferente! Lindo. Lindo Rose Anis”. Ele tocou sua mão em forma de despedida. Ela soube naquele momento que estava perdida. Seu coração carregava todas as pedras do mundo em um peso absurdo. Mas era só dela. E agora seu coração havia adquirido mais um peso: o sentimento terrível de estar para sempre entregue ao sentimento de alguém. Perdida. Irremediavelmente perdida. Tentou dar um sorriso enquanto ele se afastava. Depois de alguns segundos ele olhou para trás dando um “até mais” enigmático. “talvez um dia volte a vê-lo”. Ela guardou frase dita e ouvida. Não era amor ainda, ela sabia. Mas também sabia que havia ganhado um presente. Sua Linha do tempo, o destino escreveu em palavras tortuosas e melancólicas, e agora ela estava decidida a viver. E mil palavras não descreveriam seus sentimentos. Lembrou-se de ter continuado ali sentada saboreando ainda a companhia do seu mais novo amigo. Voltaria a vê-lo, tinha certeza disso. E tinha tanta certeza que mesmo contra a sua própria vontade sua boa tornou-se um mundo só em sorriso, e de repente, o dia, à noite, a semana, o mês e os anos nunca mais seriam os mesmos em sua vida. E ela não sabia, mas o destino lhe reservava outra tardinha, muito em breve, da visão do rapaz sentado em seu banco de calçada a esperando com um buquê de “roses” rosa, e cocadas de anis. E não haveria mais piadas nem piedades. Porque ela estaria completamente feliz.

Malibe, hoje.

28 de fevereiro de 2016.