A ENTREGA*

-“Malandro, onde é que ela tinha arrumado aquele bagulho?” As faixas da avenida estavam se misturando na sua frente. Pôs o terceiro hall´s preto na boca quando parou em um farol da Av. Europa. Cara, não podia mais fazer merda! Seu cunhado tinha deixado bem claro isso. Mais, pô meu! Tinha vindo tão cedo, tudo livre, não parecia nem São Paulo. Não aguentava mais aquele fumo palha de Cotia. Qual o problema de parar no CEASA e comprar um verde de primeira?

Mas não precisava fumar antes de entregar a encomenda, né otário! Se reclamassem dele estava na rua, literalmente. Nem o colchão onde dormia na loja era seu. Pegou o desodorante spray no porta-luvas e espirrou pelo corpo e pelos fartos cabelos dreads. Para piorar tinha que ter vindo com a camiseta do Bob Marley... Pôs uma lupa que tinha comprado no camelô:- “Quem não têm colírio, usa óculos escuro!”. Começou a gargalhar. Aquela maconha era boa mesmo. Tava ferrado!

Parou em frente de uma casa branca, toda estilosa, sem cercas. Batia com a descrição que ela dera. O número era aquele mesmo. Colocou uma japona camuflada para esconder um pouco a camisa. Parou, pegou a peça, desembrulhou e já foi levando no ombro. Quase deixou cair umas três vezes antes de chegar na porta. É, ia ter que voltar a vender miçanga na praia. Mas ia voltar para o Rio ou pegar o trecho de volta para o Nordeste. Qualquer merdinha mora na rua em São Paulo. Se fosse para voltar a essa vida iria para um lugar que valesse a pena morrer.

A porta estava aberta. Foi entrando e deixou a encomenda em uma bancada branca. Sem mais nem menos veio um garçom e lhe ofereceu uma taça com vinho. Olhou para ele desconfiado, mas de graça... Ficou ali bebendo e vendo as pessoas que circulavam pelo ambiente. Estava morrendo de medo de falar e se entregar. Uma hora a dona ia aparecer e mandar ele colocar o troço no lugar que ela quisesse. Então ficou parado ao lado do treco. Em um minuto viu uns três passarem com um cabelo igual ao dele. E viados. Malandragem, quanta biba junta! Mas sua irmã tinha dito que era uma mulher que tinha encomendado. Ela podia ter dito como era. Tinha visto umas quatro que dariam inveja em qualquer metaleira. Tinham mais tatuagens que um gibi, mais metal na cara que cigano nos dentes e tudo de cabelo pintado. Mas sempre com tacinha na mão, falando e rindo baixo. Tinha umas outras com uns óculos escuros, quase do tamanho da cara delas. Será que elas deram uns pegas também? A dona devia ser uma dessas velhas de echarpe. Será que não sentiam calor não? Devia tá uns 30 graus. Bem, era magra. Disso tinha certeza. Porque ali só tinha tábua de passar roupa!

Trinta minutos e nada dessa mulher aparecer. Todo mundo parava e ficava olhando para a bosta do negócio e ninguém se manifestava. Só ficavam falando uns troços esquisitos, sem sentido. E ele bebendo. Vinho branco, tinto, uísque, vodka, uma deliciosa que não tinha a menor ideia do que era. Depois de um tempo encafifou e pegou o papel com o endereço onde tinha que ir: Rua Venezuela nº.... Saiu da casa cambaleando. Agora estava bêbado também. Perguntou para um moço que passava:-“Qual é o nome dessa rua, amigo? Colômbia.”

-“Fudeu, fudeu, fudeu, fudeu, fudeu, fudeu, fudeu,..” Já estava sentado no meio fio com as mãos na cabeça a uns quarenta minutos. Bem, o jeito era encarar. Foi buscar o barato para levar para o endereço certo. Agora tinha uma roda daquela gente estranha em volta da entrega do seu cunhado. Um velho careca ao lado de uma das mulheres gibi perguntava quem era o artista em um tom sério, quase acusador. Com a resignação dos condenados, disse:

-“Senhor, esse é o fruto de uma vida inteira de erros e desacertos. Pode-se dizer que é um retrato de tudo que me aconteceu até hoje e da minha evolução como pessoa. Algo que não deveria estar aí, mas está. Eu sei que ofende e eu até queria pedir desculpas. Mas não vou não. Porque se desagrada vocês, desagrada ainda mais a mim.”

Quando já baixava a cabeça esperando os seguranças tirando-o a tapas do lugar, ouviu uma saraivada de palmas como nunca tinha escutado. Saiu de lá sete horas depois, completamente travado e com R$ 450.000 na sua conta do bolsa família.

E com o firme propósito de entrar para o ramo de vender privadas.

Diogenes R Cardoso
Enviado por Diogenes R Cardoso em 28/02/2016
Reeditado em 01/09/2024
Código do texto: T5557942
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