A entronização da manguara
Ticintina é que tinha aquela atitude reverencial ao lidar com as lembranças do pai. Mais que toda a irmandade reunida. E sem que pieguice ali se visse. Era uma coisa espontânea, que parecia garantir sobrevida ao serrote da lâmina empenada, à cega inxó, ou a compasso duma perna e meia só...E tudo guardadinho e vigiado com o maior desvelo. Pegar ferramenta emprestada com ela, era como tentar o entrar no céu sem uma boa confissão, e de réu, a admissão.
E a manguarinha do velho Velusiano não fazia exceção. Fininha, duma só meia-polegada, parecia, contudo, ainda recém-encerada tal o lustre de que era encapada. E não se prestava a folguedos infantis de jeito maneira. Sua residência costumeira era dentro dum guarda-roupa para não estimular a cobiça dos buliçosos sobrinhos.
Mas um dia, que até nem era belo, justamente pela azáfama duma reforma na já boa casa em que a primogênita e já bem cinquentona Ticintina vivia com a mãe e os irmãos, surgiu a necessidade de se fixar uma cortina entre a sala de estar e a copa de se manjar e, alguém, já me não lembro quem, suscitou a manguarinha para exercer o papel de barra em que se pendurava a dita cortina. Acho que foi meu pai, que era o caçula da turma.
Ticentina só objetou a que aquela coisinha rolicinha tivesse as pontas aparadas para se ajustar ao novo papel, mas o fez sem escarcéu. E guardou o toquinho como laurel.