UM ELEFANTE EM UMA LOJA DE CRISTAIS*

-"Simples assim. Uma manhã de domingo normal. Nunca imaginaria que uma coisa tão banal pudesse ter um impacto tão profun... Não é essa a palavra que eu quero usar. Tivesse tanta influência sobre minha vida!". Olhava para os lados, suava frio. O médico, um senhor de meia-idade, ligeiramente acima do peso, barba por fazer, avental sobre uma camiseta com a imagem da capa do Celebration Day, do Led Zeppelin, o olhava e escutava com atenção:- " Calma, conte com calma o que aconteceu. Você está em um ambiente seguro". Seu tom foi tão natural, tão confiante, que o acalmou na hora. Tarimba de 25 anos de Psiquiatria:

-"Eu estava aproveitando que minha esposa foi na igreja com as crianças para ouvir Caúby Peixoto e assistir um documentário sobre futebol americano. Sabe, gosto de ler também. E têm um site de escritores. Tem uma autora muito boa lá. Ela escreve contos. Eu resolvi procurar algo antigo dela. E tinha um conto chamado "O Rinoceronte na Loja de Cristais". Deu um suspiro e ficou em silêncio novamente:-"Por favor, continue. Por que se interessou por este conto?" Olhou para cima várias vezes. Depois de uns trinta segundos continuou:

-" Esta sempre foi a minha definição. É o que minha mulher me fala desde que nos conhecemos, há vinte anos. Só que é "um elefante em uma loja de cristais". Que sou tão naturalmente distraído e sem tato. Nossa, a quantidade de coisas que já quebrei e depois ouvi isso! Ou que dei uma gafe e ouvi isso! E, noventa e nove por cento das vezes as coisas se resolviam ao pronunciar essa frase. Todo mundo ri e está tudo perdoado. Então eu comecei a ler. Era a estória de uma moça muito sensível. Sonha com um enorme animal quebrando várias peças artísticas dentro de sua loja enquanto simplesmente se move. Exatamente a imagem que eu sempre imaginei que todo mundo fazia de mim. De uma linda forma poética. E aí chega quem inspirou o sonho. E é um homem bruto com uma "tromba" enorme!".

O medico dá uma risada involuntária:-"Tromba enorme?"

-"É a metafora que usa! E agora faz três meses que minha pequena tromba se recusa a trabalhar. Ela até se anima, mas aí eu escuto o Caúby na minha mente:- "Como é grande meu amor... Que é que eu faço Doutor?".

Depois que ele sai, o psiquiatra sorri:-"Quatrocentos reais por vinte minutos e uma receita de viagra. Ainda bem que ouvi minha mãe sobre a faculdade."