A Quadratura do Círculo-cap. XIV

-O senhor quer alguma coisa? – forcei para ser gentil e civilizado. Aquele ser tinha um ar plácido e calmo, meio efeminado, o que me aborrecia.

-Senhor, precisa de algo?

-Ah, eu observava a sua inquietação; está nervoso e tem algum problema. Eu posso ajuda-lo; tome meu cartão!

“Professor Apolônio-Pesquisador de culturas pré-incaicas-Doutor em Filologia Românica- Formado em Literatura Greco-Latina e Filosofia Pré-Socrática.

-Nossa!-exclamei- era muito título para um homem só.

Deu o cartão e se afastou; eu teria coragem de procura-lo? Talvez sim, talvez não.

Semana seguinte; estou a caminho do encontro com o estranho homem. Sua casa ficava em Rio Grande da Serra, próxima à represa Billings; lugar afastado e não muito bem afamado, pouco comum a alguém com suas pretensas qualificações. Era uma casa simples, quase uma choupana; não fosse uma lata de óleo vulgar jogada no chão, o cenário seria de filmes de ficção. Bati à porta, não, já tinha campainha. O sábio me atendeu; percebi que tinha vindo de um lugar muito importante: o banheiro.

-Vamos circular por aí. Fale sobre o que o angustia.

Um menino passou com uma bicicleta, riso nos lábios , como a dizer: aonde vão esses dois loucos?”

-Eu cheguei a uma conclusão: o ser humano não vale nada e não tem jeito...

Ficou quieto por um instante. Depois respondeu:

-Bela conclusão! Frase emblemática. E o que pretende fazer? Viver no meio da floresta? Virar monge tibetano? Morar no Polo Norte?

Não esperava uma resposta tão dura; não respondi.

-Você não é o único que acha isso; eu também...-disse a meia voz.

-Todas essas falsas ideologias de “melhorar” o homem são inúteis; o ser humano não tem jeito...

-Mas, infelizmente, o mudo está cheio deles; você tem que viver com eles...

O vento batia em nossos rostos enquanto subíamos a ladeira de terra; lá embaixo o lindo esgoto da represa.

-Respire fundo- mas uma lufada trouxe o cheiro de esgoto. Tapei o nariz.- Repare em torno; só há coisas ruins aqui?

Olhei bem e não vi muita coisa boa; uns casebres miseráveis; como o ser humano pode viver tão mal? O mais simples dos animais tem uma roupagem colorida;no caso das aves, a beleza é incontestável; quem dera os homens construíssem casas como o João-de-barro. Os milionários, extravagantes, o que torna suas habitações não bonitas, mas vulgares, e o vulgo, obrigado a viver em condições miseráveis.Pensei na elegância dos felinos, especialmente os leões, mas o ser humano, se não for rico, vive mal e de forma desoladora. Nisso, vi em meio ao lixo, uma flor do brejo, desconhecida.

-Olhe!-apontei.

-Isso; veja que mesmo entre a sujeira se encontram pérolas; há muitas por aí.

Caminhou mais um pouco; pegou uma vareta no chão. Riscou um círculo na areia.

-Veja o círculo; é a forma mais perfeita da Natureza; nada no Universo é anguloso, tudo é esférico; o próprio Universo é infinito, sem meio ou fim. Os antigos buscavam incessantemente a “Quadratura do Círculo”; para eles o quadrado era o signo da perfeição, Nunca conseguiram.

Num estalo, lembrei-me das conversas sobre geometria com Poliedro; peguei a vara de suas mãos e risquei um quadrado inscrito; seus vértices tocando o círculo em quatro pontos.

Ângelo Ranieri
Enviado por Ângelo Ranieri em 03/02/2016
Código do texto: T5532739
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