A Quadratura do Círculo-cap. XIII
Disse ali atrás que não me tomaria mais a sério; mas como me tomar a sério se o ser humano é isso mesmo: vulgar, mesquinho, interesseiro; não vislumbro um clarão que me faça mudar de opinião. Sabemos nos fazer de amáveis quando temos interesse em algo, aliás, o ser humano, animal fraco e pelado, usou de suas artimanhas e aí está a sua diferença : como ele é imitador, imitou os pássaros, fez o avião; os peixes, fez o submarino; a força do leão, a esperteza da raposa; de todos pegou um pouco e se tornou esse ser imperfeito que usa de seus ardis para conseguir o que quer. A bondade é exceção, não a regra no ser humano.
“Os bons são fracos”- já me dizia um professor de Educação Física, lá meio milico. Eu me achava bom e fraco.
“A bondade excessiva revela fraqueza do indivíduo; sejamos firmes como rochas”- tinha esses pensamentos em mente; daria uma volta de 360 graus em minha vida, como disse erroneamente alguém, pois , na verdade deveria dar uma de 180 para mudar de direção; entrei naquela livraria, olhando os livros, sem interesse, pensava em Paloma e Rufino; peguei um livro ao acaso e relembrei :
-Que bom que vocês vieram; estão gostando da ilha? O churrasco está quase no ponto- Rufino era todo sorrisos.
Paloma adorou sua coleção de orquídeas; Rufino explicava as espécies :” “Laelia Purpurata; Dendróbio”- e foram lá para a estufa. Eu fiquei aguentando aquela amiga sua chatérrima, que falava de coisas sem importância, feito uma matraca a quem se dera corda. Estavam quietos e demorando. Fui até lá; espreitei, peguei. Os dois; juntos...
O resto já se sabe; ela não era para mim. Tinha sido até agora, mas agora vinha com suas justificações. Todo criminoso tem suas desculpas, embora não tenham cometido um crime. As dela até que eram razoáveis:
- Me desculpe; sempre dei vazão aos meus sentimentos; nunca os reprimi; que vou fazer se minha natureza é assim? Pena que às vezes magoo os outros...- eu olhava estupefato; tínhamos voltado da ilha sem trocar palavra; agora só observava, contrafeito.
-Quer saber?- continuou a falar- não me arrependo de nada; nem de ter casado com você; houve momentos ótimos, outros não; quem disse que o ser humano deve ser apenas de uma pessoa? Quem disse que isso é verdade? Eu nunca pensei em matar meus sentimentos. Você sabe que nunca liguei pra convenções, senão não casaria com você. Acho que me entende...Eu quis mostrar para meus pais que era alguém sério, da maneira que eles queriam; você se encaixou nisso, de certo modo, pelo seu jeito certinho, às vezes, mas não é isso que quero pra mim...
-Ah, é ele que quer pra você?
_Sei lá, pode ser hoje, amanhã eu não sei...o que dirá meu coração? Pelo menos sou sincera no que digo.
Já Rufino foi ridículo; foram morar juntos; dois dias depois, ele chega lá em casa:
-E aí, cara? Como está passando?- balancei a cabeça apenas; tinha vontade de socar sua cara, mas, eu, sempre o espectador, nunca no centro do picadeiro, deixava as coisas acontecerem- desculpa aí, hein? Foi mal; eu não queria isso, mas...aconteceu!- deu um tempo; depois falou:-mas nós continuamos amigos, hein? –deu um tapinha em minhas costas; nem respondi; depois virou-se e saiu de supetão, como sempre.
Quase dei risada; como pode ser tão infantil e...cara-de-pau ao mesmo tempo? No fundo é um bronco, desde que o conheci.
Volto de meus pensamentos à livraria. Vi que alguém me observava; olhei feio, mas continuava a me olhar, e não era uma mulher! Que droga o que queria?