Momentos Difíceis
 
Parte III

     O rapaz pediu à tia para hospedá-lo, cara de menino, fala mansa, dava impressão de timidez:

     — É só por uns dias. Logo consigo emprego e vou morar com algum colega.

     Mas, o que o infeliz planejava era executar umas e outras atividades que, para os aficionados em leis, são consideradas ilícitas. Tinha a alma de sanguessuga. Não era tipo de pegar firme no batente. Se houvesse oportunidade, deitava mão nas mercadorias em exposição, até de desafortunados feirantes.


     E, em seguida...

     Lá estava ele novamente na tocaia, bem em frente ao prédio elegante. O projeto de pechelingue parecia estar desta vez, totalmente sob o comando de si. Na cidade grande o anonimato é maior, a garantia de sucesso na empreitada também cresce. Estacara próximo ao beco que, em seu plano, consistia na rota de fuga mais rápida. Observava todos que saíam ou entravam no edifício próximo ou passavam pelo quarteirão, escolhendo qual seria a vítima e conferenciando consigo mesmo:

     — O magricela com a pasta debaixo do braço? Não. Deve ser um office boy executando os serviços de rotina; não levaria nada de valor, apenas correspondências e documentos.

     — A adolescente com a mochila? Nem pensar, estaria apenas com apostilas e livros. O que fazer com isto?

     Consumia bastante energia naquele jogo de “bem me quer — mal me quer", isto é, “este serve — aquele não serve”; ou mais verdadeiro: “este vale a pena roubar — aquele não possui nada de valor”. Começava a porejar suor na testa e a respiração estava ofegante, não se sabe se por causa do calor naquele final da manhã ou se pela ansiedade daquela seleção. Até que avistou uma sofisticada executiva que transpassava o portal da edificação, rumo ao local em que ele mantinha a vigília. Terninho, bolsa e sapatos de grife, toda paramentada.

     — Disfarce o susto! Não grite! Tire a pulseira, tire a corrente, os anéis, passe tudo para esta sacola. Vamos, o celular e esses óculos também! A bolsa! Não mexa nela! Jogue aqui! — o larápio abordou a dama, foi sussurrando energicamente enquanto notava cada gesto dela, observava os arredores, na tentativa de controlar a situação. Porém...

     A senhora espirrou algo em seus olhos. Ardia intensamente. Não conseguia ver mais nada. Ao mesmo tempo ela gritava, xingava, invocava deuses, santos... pior, exortava todas as pessoas que por ali pudessem socorrê-la. E, não é que se iniciou um ajuntamento!

     — Pega ladrão!

     — Pega ladrão!

     Correr, esconder, sumir, desaparecer! Mais uma vez! O malandréu galopa pela travessa, corta as esquinas com rapidez de raio, mesmo meio cego pelo aerossol Persegue os veículos, desliza entre eles como um fantasma... Parece invulnerável! E vai se confundindo com os transeuntes. Tira a jaqueta que lança no latão de lixo. Coloca um boné que saca dos bolsos, guarda os óculos que usava. E, vai se mesclando com a multidão.

     O ladravaz apercebia-se tolhido e impotente, embora estivesse a salvo da turba que parecia estar disposta a linchá-lo. De onde viera tanta gente? Todo o corpo doía como se os ligamentos nervosos estivessem recebendo estímulos elétricos.

     Enquanto caminhava buscando alguma loca onde pudesse se sentir em segurança, lembranças vieram-lhe à mente, como a projeção de um filme B. Na primeira semana em que viera da pequena cidade onde passara a infância para a capital, o ratoneiro, no tumulto da evacuação do ônibus, tentara apanhar o celular de um dentista. (Estava de branco... pensando bem, poderia ser um médico, um enfermeiro ou um açougueiro.) Não interessa, o homem era grande e forte, agarrou-o pelo pescoço e lançou-o contra o poste. O valentão retomou seu objeto e foi embora resmungando que não compensava nem convocar a polícia!

     O vigarista, além da humilhação sofrida, precisou inventar uma boa desculpa para justificar tamanho galo na testa, mediante o interrogatório da tia que lhe dera guarida. A coitada se considerava responsável pelo bem estar do sobrinho!

     Agora estaria o lapim arrependido pela carreira escolhida, depois de tantos fracassos seguidos? Não. Logo o maroto arrumou uma desculpa para os baques recebidos — trabalhava sozinho, por isto não vinha obtendo bons resultados. A solução seria juntar-se a um grupo: procuraria entrar para um bando que fosse bem sucedido!
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 03/02/2016
Reeditado em 15/03/2016
Código do texto: T5532521
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