A acusação
A acusação
Naquele tempo pelos lados do sertão mineiro, as famílias com mais posses costumavam ter sempre alguém para ajudar na casa. Não era bem uma empregada e nem tão pouco uma escrava. Às vezes era a esposa de algum agregado, de algum vizinho ou mesmo algum conhecido, gente humilde de menos posses. Essas pessoas às vezes costumavam levar uma filha, às vezes por não ter com quem deixar ou mesmo para ajudar nos serviços – naquela época, filhos pequenos podiam trabalhar, ajudar na lida diária e até mesmo para aumentar a renda.
Na casa do sr. Quintiliano, trabalhava Clotilde, que sempre levava sua filha, Mariazinha. Era uma menina, educada, esperta, viva, que dava uma boa mão sua mãe nos afazeres da casa.
Já havia alguns anos que Clotilde trabalhava para a senhora Conceição - esposa do sr. Quintiliano - por isso, Mariazinha se sentia muito à vontade naquela casa, já que desde os quatros aninhos acompanhava sua mãe ali e já estava com 12 anos.
A região era totalmente desprovida de meios de transporte motorizado, para se sair dali era só mesmo no lombo de algum animal, em carro-de-bois ou a pé.
Era comum os homens manifestarem suas vontades de conhecer o estado de São Paulo, a cidade de São Paulo. Mas quem se aventurava, normalmente ia a pé. Gostavam mais de 30 dias e ficavam por lá alguns meses ou até anos e tinham muitos que não mais voltaram e nem davam notícias.
Senhor Quintiliano foi um desses que se aventurou.
Marcou-se a viagem e começaram os preparativos. Dona Conceição confeccionou os embornais para levar a matula e também as ceroulas com bolsos ou falsos bolsos como queiram, para levar um dinheiro de reserva.
Clotilde preparou as paçocas de carne e de amendoim e também a rapadura com farinha. Como a viagem era longa de duração, esses alimentos eram os que mais resistiriam ao tempo, sem correr o risco de estragar.
Em uma embornal colocou a rapadura com farinha e a paçoca de amendoim; na outro a paçoca de carne de sol.
Clotilde tinha tanto afeto por àquela família, que preparou tudo com muito carinho e esmero.
Chegou o dia da viagem...
Senhor Quintiliano se arrumou, colocou o dinheiro de reserva espalhados nos bolsos da ceroula e o do custeio da viagem nos bolso da calça. Dividindo em vários bolsos, como era normal se fazer, para não ficar só em um.
Existiam ali muitos amigos, conhecidos, que mais parecia mais uma festa, de que uma despedida. Todos queriam dar as boas idas, de uma feliz viagem ao amigo.
Já na hora da despedida, seu Quintiliano resolve trocar de calça e assim o fez.
Entrou para o quarto, tirou uma das calças que estava na mala e vestiu; voltou a conferir se o dinheiro estava nos bolso da ceroula. Sua esposa arrumou na mala a calça que havia sido tirada.
Nesse instante, os outros companheiros de viagem foram chegando e ele começou as despedidas: abraça um, abraço outro; recomendações daqui, recomendações dali, etc. e volta a conferir se não está esquecendo nada. Enfia novamente as mãos nos bolsos da calça para dar uma conferida no dinheiro e leva um susto, o dinheiro!... não estava lá, os bolsos estavam vazios...
E começou o tal de quem foi...o dinheiro estava qui...quem será que pegou o dinheiro...Foi àquela situação sem graça e constrangedoura.
Acabou sobrando para Mariazinha, suspeitaram dela... Ela juntamente com a mãe, eram as únicas pessoas de fora que teria acesso aos cômodos íntimos da casa, no caso os quartos.
A mãe – Clotilde - estava fora de suspeita, já trabalhava ali há muitos anos, tinha a confiança de todos e ela, embora uma criança e ainda, com todos os predicados de quem se sentia parte daquela família, foi em quem recaiu toda a suspeita.
Dona Conceição não sabia o que dizer, o que pensar.
Apertaram a coitadinha da menina e ela, sem saber direito o que estava acontecendo, a gravidade daquilo tudo, pois nem conhecia dinheiro direito, negava veementemente que não havia pegado dinheiro algum.
Clotilde carinhosa que era e conhecedora da filha que tinha, abraçou a filha e disse: a minha filha num é ladrona não, seu Quintiliano.
E o pai de Mariazinha, senhor Clemente disse: nós é pobre mas não é ladrão não.
Foi uma situação constrangedoura, todo mundo olhando para o outro e perguntando quem teria sido.
Mas enfim, o dinheiro não apareceu e senhor Quintiliano seguiu sua viagem.
Daquele instante em diante, Clotilde não mais voltou à casa de dona Conceição. O ocorrido foi muito constrangedor e os deixaram muito tristes. Eles que sempre tiveram tanta consideração por àquela família, agora carregavam o peso da desconfiança dos mesmos, pois se desconfiaram da filha, era o mesmo que desconfiar deles.
O assunto correu pelo lugarejo e por um bom tempo não se fala em outra coisa que não fosse quem pegou o dinheiro do senhor Quitiliano.
Mas nada como um dia atrás do outro e assim, o assunto foi se dissolvendo.
Passados pouco mais de 2 meses, dona Conceição recebe carta do marido dizendo que o dinheiro havia aparecido, estava nos bolsos da calça que ele havia trocado...
Bem, o que estava feito, estava feito. Restava agora ela pedir desculpas.
E assim o fez. Toda envergonhada se dirigiu até a casa de Clotilde para dar a notícia e pedir desculpas. Desculpas aceitas, mas não foi mais como dantes.