Noites imprevisíveis

Os dias passam vagarosamente, as noites chegam, trazendo consigo melancolia. E foi em uma dessas noites obscuras, sem lua, sem estrelas, sem brisa, que Ana conheceu Rick. Era uma noite de segunda-feira, quando Ana voltava da faculdade, cursava o último período de medicina, na UFPI, em Teresina, quando, de repente, ao se aproximar de uma praça deserta e mal iluminada, se deparou com um homem negro, alto, forte, do tipo malhado e escandalosamente bonito. Ana era uma moça pobre, de família extremamente humilde, os pais agricultores, e faziam de tudo para verem a filha única vencer na vida, inclusive se desfazerem da pequena propriedade para irem morar na capital. Ela era branca dos olhos azuis-oceano, loira natural, corpo bem atraente: cintura fina, bunda e seios avantajados, chamava a atenção de qualquer um por sua beleza estonteante e sua simpatia.

Ao passar por esse moço negro atraente, Ana sentiu um certo medo, talvez por um velho estereótipo secular, pois a praça estava literalmente vazia, os carros que passavam na rua, além de serem poucos, passavam rapidamente. Ele estava sentado em um banco, perto de um enorme chafariz, ela caminhava rápido, com medo de ser assaltada ou qualquer outra coisa comum dos grandes centros urbanos. Ele fumava um cigarro que, para Ana, pareceu ser maconha, mas viu imediatamente que era um W.S barato. Ao ver aquela linda moça passando, com uma mochila surrada e antiga nas costas e uma expressão que não negava seu medo, ele a chamou quando ela passou por ele.

- Moça, não precisa ter medo, eu não mordo, não mato nem roubo. – disse ele tristemente.

- Ah, desculpe...mas é inevitável, capitais...sabe como é, né? – falou Ana meio constrangida.

- Sei...sei sim, principalmente quando se trata de um negro mal vestido, sozinho, fumando um cigarro barato em um praça deserta. – respondeu ele energicamente.

Ana ficou pálida, quase desmaiou de tanta vergonha. Não sentira preconceito por alguém ser negro ou pobre, afinal, ela também era, apenas ficou em alerta, pois fora roubada uma semana antes por um homem negro.

- Prazer, Henrique Tavares, mas pode me chamar de Rick. – estendeu a mão para Ana. – estuda na UFPI, não é?

- O prazer é meu, Rick. Me chamo Ana e sim, estudo na UFPI, estou no oitavo período de medicina. – respondeu Ana, ainda se sentindo envergonhada.

Os rumos dessa apresentação mudaram quando Ana passou a reparar bem nas feições e no corpo de Rick e vice- versa. De medo, o clima se transformou em outra coisa: tesão. A libido de Ana deu um salto que quase bateu na lua que estava oculta pelas carregadas nuvens.

“Que homem gostoso, estou excitada, te quero, agora...” - pensou Ana, mordendo o lábio sem querer, deixando escapar um inaudível gemido de excitação, mas, ao que pareceu, Rick estava do mesmo jeito, só que bem mais evidente: seu pênis se avolumara de uma forma que era impossível não perceber na calça jeans azul. Ana contemplou aquela visão e, na tentação da carne, se imaginou transando deliciosamente com aquele cafuçu.

As mulheres têm segredos, e Ana não era diferente, ainda mais sabendo o quão difícil é ser mulher. Ana não nasceu biologicamente mulher, nasceu menino, mas desde os cinco anos de idade que não se identificava em tal sexo. Seus pais perceberam esse comportamento diferente desde o inicio, mas não aceitavam. Queriam que Adalberto, seu nome de batismo, fosse um menino macho, que gostasse de mulher e de coisas que o dignificassem como macho. Os anos se passaram e Adalberto cresceu com traços físicos e comportamentos extremamente femininos. Aos onze anos, escolheu de vez ser chamada de Ana e eliminar o nome masculino de sua vida. Foi difícil, porque seus pais insistiam em chamá-la de Adalberto. Aos quinze anos, Ana conheceu uma travesti quase idosa, de uns cinquenta e cinco anos, que foi prostituta no interior que morava. Érika, como era chamada a travesti idosa, ensinou tudo que Ana precisava saber sobre travesti. Aos dezoito anos, Ana foi bombada de silicone industrial por Érika. Por sorte, talvez graças ao bom organismo de Ana e a experiência no ramo de Érika, tudo correu bem: Ana, agora, tinha peito e bunda de mulher. A voz tinha afinado muito a ponto de ser confundida com voz feminina, graças aos milagrosos hormônios femininos que ela tomava diariamente. Infelizmente, um ano depois Érika faleceu de complicações no fígado, devido o excesso de hormônios que ingerira na adolescência. Esse terror ainda hoje domina os pesadelos de Ana, pois é uma constante possibilidade também de se efetivar algo semelhante.

Ana ficou fitando aquele homem que acabara de conhecer, mas que, por extinto, sentira-se atraída sexualmente por ele. Rick, feliz em saber que despertara tesão em uma mulher tão linda, disse:

- Vamos tomar um café na minha casa, conversar, topa? Não fica muito longe daqui. – falou ele esperançoso. – depois te deixo na sua casa.

- Acho melhor não, moro muito longe. – disse ela, meio hesitante.

- Não se preocupe, tenho carro e está estacionado bem ali. – apontou para um Fiat Mille Fire antigo de duas portas estacionado do outro lado da rua. – se você for, garanto que não irá se arrepender.

- Sendo assim, eu topo.

E se direcionaram para o carro. Ele foi um verdadeiro cavalheiro, abrindo a porta do carro para ela entrar. No caminho, não trocaram muitas palavras, apenas olhares de interesse. Chegaram a uma rua de terra, com casas simples. Ele parou o carro diante de uma casa com um portão enferrujado, desceu do carro, e abriu a porta para ela descer. Entraram na casa. Um imóvel antigo e sujo. Quando estavam a caminho, ainda dentro do carro, Rick confessara que já fora casado duas vezes, mas que nenhuma deu certo. Teve dois filhos, um de cada mulher com quem se casara, mas os filhos moravam com suas respectivas mães.

Quando entraram na sala, Ana tomou um susto: a casa só tinha um aspecto de suja e velha por fora, dentro era tudo limpinho, organizado e os móveis todos novinhos. Em um breve devaneio, Ana pensou o que acontecerá quando Rick descobrir que ela não é uma mulher biológica e sim uma travesti. Mas, para sua surpresa, como se ele estivesse lendo seus pensamentos, Rick disse:

- Sei o que você é por isso te chamei aqui. Se eu quisesse comer mulher com buceta, comeria uma das minhas duas ex-mulheres, pois ainda tenho relações casuais com elas. Mas quero que você me coma... - disse ele, com voz excitada.

Ana, mais uma vez, tomou outro susto, mas dessa vez, a sensação foi quase como um tapa na cara. Jamais desconfiou que ele soubesse que ela era uma travesti e que, mesmo assim, ela odiava exercer o papel de ativo da relação. Mas exercia sem nenhuma objeção.

- O quê? – falou espantada. – Como... Como você sabe que sou uma... travesti?

- Não foi difícil, uma mulher biológica não olharia descaradamente para meu pau! – falou com um sorriso enviesado – e, também, já tive casos com algumas travestis e transexuais. Morei com uma travesti durante dois anos, assim que me separei das minhas ex-mulheres.

Ana ficou boquiaberta com oque ouviu.

- Então... Você quer que eu... te coma? Você é gay? Não costumo me relacionar com gays, só se forem somente ativos. – disse ela, séria.

- Claro que não sou gay. Não sinto atração por homens.

Ele a puxou pelo braço e a levou até o quarto. Era um cômodo pequeno, porém, bem aconchegante. Tinha uma cama de solteiro Box, uma janela coberta por uma cortina roída por traças, uma TV de LED e um computador a um canto do quarto. Começaram a se beijar intensamente, depois tiraram as roupas. Rick pediu pra ela fazer sexo oral nele. Seu pau, grande, grosso e preto, estava bem enrijecido. Ana chupou todo, enfiando todo na garganta, passando a língua na glande, depois lambendo o saco escrotal. Ela estava receosa de que estivesse com algum odor, mas para sua sorte, não estava.

Passado alguns minutos, ele pediu para chupar o pênis dela. Era mediano, mas um pouco grosso. Ele achava engraçado as artimanhas que ela fazia para esconder o órgão: era colocado para trás e preso por um esparadrapo. Começou a chupá-lo energicamente, colocando fundo goela abaixo, passando a língua na glande. Ana ia ao delírio. Depois, ele começou a beijá-la na boca, chupar seus mamilos...

Ele pegou um preservativo daqueles distribuídos gratuitamente, que estava em baixo do colchão da cama e vestiu o pau dela. Ficou de quatro em cima da cama e pediu para que a penetrasse com vontade. No tesão que estavam, assim ela fez. Penetrou-o com muito desejo, apesar de não ser muito fã de ser ativa na relação. Não demoraram muito, ambos gozaram. Um gozo abundante, cheio de êxtase carnal. Beijaram-se na boca e foram tomar banho. Dentro do banheiro, ele pediu absoluto segredo pelo que aconteceu. Obviamente que ela concordou. Depois do banho, vestiram-se e ele foi deixá-la em casa.

Após um mês desse ocorrido, não se viram mais. Mesmo correndo constante perigo de ser assaltada e, possivelmente, até morta, Ana, todas as noites ao sair da universidade e ir para casa, passava por aquela mesma praça que vira Rick pela primeira vez. Ela não o viu mais. Ficou pensando se ele não tinha gostado dela ou se ela fora tão péssima de cama a ponto dele não querer mais vê-la.

Os dias se seguiam, Ana não teve mais notícia de Rick. Certo dia, quando estava chegando em casa, viu um homem parado diante da porta. Ela o reconheceu na hora. Rick estava à espera dela, quando a viu, deu sorriso de orelha a orelha.

- Eu estava te esperando! – disse ele, ainda sorrindo.

- Você sumiu... esperei te revê-lo. – disse Ana tristemente.

- Mas agora estou aqui... e vim me despedir. Estou indo embora amanhã mesmo. Vou para São Paulo. – falou ele.

- O quê? – espantou-se Ana. – O quê você vai fazer lá?

- Trabalhar. Consegui emprego numa firma e não posso perder essa oportunidade... Mas, se você quiser ir comigo, eu te levo, pago sua passagem e a gente pode morar juntos, topa?

Ana respondeu imediatamente:

- Não. Não topo. Tenho uma vida aqui, estou quase terminando a faculdade e não vou largar tudo por um futuro incerto. – concluiu Ana, sem titubear.

Desde a adolescência, Ana aprendeu com Érika que nada vale a pena se fazer por um homem, ainda mais quando se está indo bem na vida. Rick ficou espantado com o NÃO de Ana, pois esperara o contrário. Deu um beijo no rosto dela e saiu, sem olhar para trás.

Dez anos depois, Ana estava formada. Era uma médica muito prestigiada, e passou em um concurso para trabalhar na cidade de São Paulo, em um famoso hospital público. Fora morar na capital Paulista, em um apartamento na Avenida Paulista. Seus pais haviam falecido recentemente, de câncer. Um dia, no plantão, Ana recebeu um paciente que havia levado um grave acidente de trabalho: caíra de um andaime de 30 metros de altura e o estado da vitima era grave. Quando ela viu quem era, levou um choque: era o Rick. Estava irreconhecível. O rosto desfigurado, o corpo coberto de sangue. Estava com traumatismo craniano e as chances de sobrevivência eram mínimas. Ana se sensibilizou não só porque já teve um envolvimento sexual, mas porque se tratava de um ser humano. Conseguiu estancar os ferimentos, deixou-o na UTI, em estado grave, porém estável, por três dias, até que ele conseguiu reagir. Acordou do coma, e voltou a si depois de um mês internado. Quando Rick soube quem o havia salvado, pediu Ana em casamento no hospital mesmo, diante de vários pacientes e funcionários. Ela se emocionou e não conseguiu dizer NÃO a um pedido desse. Casaram-se em uma igreja inclusiva, adotaram um menino de dois anos que Ana encontrou abandonado em uma lata de lixo, no hospital, e viveram felizes por muitos anos.

FIM