Da singela arte de cultivar esperança

- Você tem um câncer!

Seco. Direto. Objetivo. Assim me foi dado o diagnóstico do exame que fizera quinze dias antes. Alimentava comigo a esperança de que fosse apenas um mal estar, algo banal. Mas não. Era um CÂNCER. E eu teria que encontrar forças para lutar contra essa doença que até hoje coloca em xeque a ciência. E as religiões.

Por mais desanimado que esteja com a vida, nenhum ser humano espera receber uma notícia dessas. Ainda mais às 10h de uma ensolarada sexta-feira, quando se planeja fazer tudo o que for possível em um final de semana. Sozinho ou com familiares. Em uma casa de praia ou em um parque. Em seu trabalho ou em um dia lazer.

Diante do médico, tentei argumentar ainda, resgatar algo do que havia aprendido ao longo dos meus trinta e oito anos de vida.

Na escola, certa vez, ouvi um professor explicar que um poeta desde cedo fora diagnosticado com tuberculose e deram-lhe poucos anos de vida, “a vida inteira que podia ter sido e que não foi”. O poeta, no entanto, conseguiu vencer a doença e viveu mais cinquenta e cinco anos. Assim, de relance, isso me deu um pouco de ânimo.

Mas dentro de pouco tempo, minha mente era invadida por aquela sentença proferida pelo médico minutos antes:

“- Você tem um câncer”.

Quantas vezes a ouvi é impossível definir. Mas sei que a esperança que antes habitava meu olhar em poucos minutos desaparecera daquela sala.

Saí do consultório médico meio anestesiada. Tinha vontade de me atirar diante do primeiro carro que surgisse na minha frente e pôr um ponto final à minha trajetória de vida. Eu tinha um CÂNCER. Não conseguia acreditar que tantos anos de dedicação a mim e à família fossem acabar assim.

- “Você tem um CÂNCER”! “Você tem um CÂNCER”! “Você tem um CÂNCER”!

Por mais que eu tentasse me concentrar em alguma coisa que estivesse ao alcance da minha visão ou da minha audição, nada tirava de minha cabeça aquela frase.

Dirigi-me ao ponto de ônibus. A visão, turva, fez com que eu tropeçasse duas ou três vezes. Em um desses tropeços, acabei esbarrando em um jovem que caminhava pela calçada. “- Ei, tá enxergando não?”

Enxergando eu estava. Não tinha forças nas palavras ou mesmo nas pernas para direcionar meu destino. O que fazer? Pra onde seguir? O que havia feito de errado para merecer aquilo?

O ônibus parou diante de mim. Embarquei e me sentei em um dos bancos próximos ao motorista. Naquele determinado horário, os ônibus costumavam viajar com pouquíssimos passageiros. Sendo assim, pouquíssimos veriam as lágrimas que inundavam minha face.

Dois pontos depois, o motorista parou o ônibus para que um colega de profissão embarcasse. Falaram sobre futebol e a goleada que o time de coração de ambos havia sofrido. Migraram depois para outros assuntos que pouco ou em nada despertaram meu interesse. Eu estava sufocada, desejando chegar a casa o mais rápido possível para me trancar em meu quarto e ali chorar e chorar e chorar...

Mas, coincidência ou não, logo começaram a falar sobre um amigo que havia se curado de um tumor. Segundo relatos, o amigo ficara muito abatido quando, em situação análoga à minha, fora diagnosticado com a doença. Um ano após o início do tratamento, porém, estava liberado para voltar às atividades normalmente. Deveria prosseguir com as consultas, a princípio a cada três meses e, depois, a cada seis meses.

Pronto. A esperança voltou a habitar minha alma e ali eu tive a certeza de que não existe a palavra impossível quando se estabelece um objetivo, quando se quer chegar a um determinado lugar. Em meio a tantos porquês, eu tinha uma certeza: a de que eu iria lutar com todas as forças para superar aquele momento de dificuldade.

Perto de completar sessenta anos, revivo essas cenas com moderada nostalgia. A doença fez com que eu mudasse meus hábitos, com que eu valorizasse o significado da palavra vida.

Vida que tem sido e que se refaz a cada manhã. Às vezes ensolaradas. Às vezes nubladas. Mas na medida certa para lembrar de que hoje é a oportunidade que tenho para fazer do meu dia uma vida inteira.

Otávio di Sábatto
Enviado por Otávio di Sábatto em 27/01/2016
Código do texto: T5525232
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