Momentos difíceis
Parte II
Sentado na mureta do estacionamento do pequeno mercado, o rapaz estava à espreita, silencioso como um bicho vigiando a caça. Espiava o casal que saía de tênis e roupas leves. Já os observava há dias e sabia que a rotina era uma caminhada de pelo menos uma hora... Escolhera o domingo à tarde, porque com o comércio fechado não haveria movimento por ali.
O pretenso gatuno atravessou a rua vazia, disparou pelo terreno baldio, pulou o muro lateral, esgueirando-se para o quintal, à procura de um ponto fraco por onde pudesse entrar na casa. A sua inexperiência estava estampada nas mãos suadas e no rosto pálido. As pupilas dilatadas vasculhavam todos os ângulos da construção. Apoiou os cotovelos na murada da veneziana que encontrou apenas encostada e erguendo o corpo em doida arrancada, saltou-a. O fluxo sanguíneo mais intenso deixou-lhe os músculos mais aptos para enfrentar a situação. Nada mais o reprimia.
Os olhos em desafio percorreram aquele quarto e os cômodos em anexo, buscando objetos de valor — câmera fotográfica Nikon , Ipad mini, corrente e medalha de ouro, dois anéis, algumas pulseiras, uma bolsa Gucci, óculos escuros RayBan, boné Quiksilver, jeans Diesel, camiseta Lacoste — tudo de grife, jogado rapidamente em uma sacola plástica encontrada ali mesmo. Que sorte! Pegou ainda o carregador de celular, lastimando que o aparelho provavelmente tivesse sido levado na caminhada.
O aventureiro preparava-se para uma silenciosa retirada quando ouviu o destrancar da porta da frente. Uma descarga nervosa percorre-lhe o corpo. Em um solavanco volta para a janela que deixara aberta, pula para o quintal e, no mesmo impulso salta o muro e some no terreno baldio. A sacola caíra ainda no primeiro salto e nada levava, mas já se sentia livre, era o suficiente. Vivenciava um instante tenso de paz, quando...
Surpresa! Estava cercado! Não sabia de onde o atlético homem saíra... Segurou-o pelos braços e dava-lhe murros. Caiu. Tomou sopapos e pontapés. Misturaram-se embolados. Desvencilhou-se. Ergueu-se... empurrou o fortão e correu... correu... disparou... e escondeu-se... sumiu.
Toda aquela ação não durou mais que cinco ou seis minutos, mas pareceu sinistra. Conseguira se safar de apanhar mais e ir preso, porque chamaram a polícia, procuraram o ladrão com cuidado, fizeram o boletim de ocorrência. Somente não conseguiram identificar o assaltante que, de um posto distante e seguro, analisava o acontecido. Ainda percorriam-lhe a coluna alguns tremores involuntários que ajudavam agora a queimar energia e consumir o excesso de adrenalina.
O jovem teria aprendido a lição — o crime não compensa? Não. Ele racionalizou: esta cidade é muito pequena, são poucas as casas com objetos valiosos, nem dá para fazer uma boa limpa! A solução? Partir para a metrópole...