Egoísta
Eles andavam lado a lado, nem mesmo de mãos dadas estavam. Como amigos. Pois era isso que eram (ou, pelo menos, era isso que ela achava que eram). Ela, imaginando qual seria a piada que ele faria em seguida. Ele, distraído pelo sorriso discreto dela.
- Namora comigo? - ele perguntou.
Ela ficou tão atordoada que, sem perceber o quão insensível poderia soar, retrucou:
- O QUÊ?! Por... quê?
- Porque eu gosto de você. É minha melhor amiga, gostamos das mesmas coisas, e é a mulher mais bonita e autêntica que já conheci. Sinto que podemos completar um ao outro.
- Completar? - não pôde conter uma risadinha sarcástica. - Que bobagem. Nós nascemos completos. Aí vamos perdendo pedacinhos nossos ao longo do caminho e tentamos consertar com outras pessoas, com outros vícios. Nascemos cheios de ideias, de sonhos, de ambições. E então pensamos que a pessoa perfeita apareceu e abrimos mão de tudo isso pra ficar com ela. Bem... nós, mulheres, mais do que vocês, porque, por algum motivo, para o mundo em que vivemos, seus sonhos são mais importantes que os nossos.
- Eu jamais menosprezaria seus sonhos. Eu amo você.
- É mesmo?! - uma nota de ceticismo atravessou seus olhos amendoados - Você sempre disse que sonha em casar e ter filhos. De certo não vai querer que passem o dia inteiro com uma babá. Acaso abriria mão de seu trabalho e ficaria em casa com eles?
- Mas isso não é coisa que homem faça! São as mulheres que amamentam, as mulheres que sabem tomar conta das crianças!
- E se eu dissesse que não quero ter filhos, que não me sinto confortável sendo mãe e dona de casa?
O rapaz ficou tonto por alguns instantes. Já tinha o plano todo pronto em sua cabeça: formatura, achar um bom emprego, comprar uma casa grande com pátio, casar-se com uma linda garota, ter dois filhos. Talvez três. E um belo carro esportivo na garagem, combinando com a TV gigantesca na sala para assistir os jogos em alta resolução.
- Hã... é meio cedo para falar disso. Podemos conversar mais tarde.
- E se eu dissesse que sonho em trabalhar no exterior um dia? Você viria comigo?
- M-mas... todos os meus planos estão aqui! Minha família, meu emprego, minha TV de 50 polegadas...
- Se importaria se eu fosse para lá sozinha e a gente se visse apenas uma ou duas vezes por mês?
- O QUÊ? Como poderia ver minha esposa só uma vez por mês?
A garota ergue uma sobrancelha comprida e lança um olhar cético para ele.
- Você está se precipitando. - ele diz, quase como se fosse programado para isso - Nós nem namoramos ainda. Nem andamos de mãos dadas ou jantamos à luz de velas. Nem sentamos no banco da praça para olhar a lua ou nos beijamos. Nem fomos juntos ao cinema para não prestar atenção no filme porque estamos muito distraídos um com o outro. Nem fomos numa balada e fugimos dos olhares indiscretos dos outros casais porque dançamos tão apaixonadamente. Você só pensa nos problemas, mas, depois que vivermos tantas coisas boas, tenho certeza de que vai mudar de ideia. Vai perceber que fomos feitos um para o outro.
Uma nota de tristeza escurece o rosto alvo da moça. Porque ela vê que ele realmente acredita que aquilo é o suficiente, que nenhuma garota vai trocar um namoro perfeito por planos incertos e possivelmente solitários. Porque, para ele, uma garota nunca vai preferir uma conversa profunda a um buquê de rosas. E porque, lá no fundo, não é exatamente culpa dele essa tentativa ingênua de convencê-la de que os sonhos dele são, de alguma forma, mais importantes que os dela.
- Fico feliz em saber que me encaixo perfeitamente em seus planos. Acontece que você não se encaixa nos meus. E eu não abriria mão deles por você, mesmo que seja meu melhor amigo. Talvez devêssemos esquecer essa conversa, e você pode procurar outra garota que ainda acredite na ilusão do amor.- com um rosto impassível, a moça começa a se afastar.
- Espere! - ele diz, segurando levemente o pulso dela - Não vá! Precisamos um do outro para nos completarmos!
- Desculpe. Nascemos completos. - E egoístas. E nunca saberemos ao certo se essas ilusões nos tornam melhores, se nos tornam piores.