Festa de aniversário

Não teve como fugir.

Cá está Tobias, em pleno sábado ensolarado, em frente à casa infantil, respirando fundo para poder entrar naquele mundo que lhe é tão estranho e assustador.

Mas não teve jeito, foi um dos poucos funcionários que a chefe durona convidou para participar do aniversário dos seus filhos gêmeos. Sabe como é, em tempos de crise, não se pode dar bobeira contrariando a superior. Faltar aos festivos seria dar um tiro certo para uma rescisão de contrato.

Resultado: em pleno sábado, dia da semana em que sempre desfruta de uma ‘pelada’ com a turma, lá está Tobias de camisa e calça social carregando dois presentes – um embrulho de laço rosa e outro azul, não sabendo sequer como segurá-los.

Já foi um custo encontrar algo para os pimpolhos. Solteiro convicto, não tem acesso às coisas infantis. Os sobrinhos moram em Botucatu, e ele só os vê a cada dois ou três anos.

Tobias, com o convite na mão, confere com certa dificuldade o nome do salão de festa; é ali mesmo.

Guarda o convite no bolso, toma coragem e entra no mundo de faz de conta, sentindo-se a mais perdida das criaturas.

Nem bem entra, é recepcionado por uma revoada de crianças, que vêm em sua direção, parecendo que vão atropelá-lo, mas elas só querem o carrinho de pipoca que acaba de chegar.

Ao ver aquela manada infantil vindo em sua direção, Tobias chega a dar um pulo para trás, esbarrando numa senhora gorda que também entra. A matrona resmunga algum impropério, referente à genitora dele, mas Tobias faz ouvidos de mercador e segue em frente.

"E a tarde mal começou!”, pensa, dando um suspiro resignado.

Ele olha em volta: muitas cores, muitas crianças, muitas mulheres, poucos homens.

Uma gritaria só, e ele sem conseguir enxergar ninguém conhecido, inclusive a dona da festa, sua chefe-generala.

Segurando os presentes, Tobias caminha olhando ao redor, tentando encontrar uma saída naquela profusão de cores, mas nada.

À direita, um mágico tenta tirar um coelho da cartola, e uma menina, endiabrada, quer porque quer ver como se faz o truque; à esquerda, um menino terrorista, com certeza treinado pela Al-Qaeda, tira meleca do nariz e passa na bandeja dos brigadeiros. À sua frente, um grupo de mães o olha como se quisesse comê-lo vivo. Devem ser divorciadas ou, pior, solteironas querendo mudar a condição civil.

Tobias procura pela chefe, mas só consegue encontrar uma desengonçada funcionária da casa infantil fantasiada de Fada Sininho – apesar de a garota mais parecer a mulher do Gigante da história do João e o pé de feijão.

No meio da gritaria, Tobias ainda tenta perguntar alguma coisa para a Fada, com muita dificuldade.

– Você sabe onde está a doutora Carmela Silva e Silva?

– Quê?

– A dona da festa? – grita a plenos pulmões.

– Ah, ela tá ali – diz, apontando na direção do carrinho do algodão-doce.

Quando Tobias tenta ir na direção apontada, a funcionária não deixa, querendo tirar dele os benditos troféus-presentes.

– Você pode deixar os presentes aqui comigo. – diz a garota, puxando os brinquedos das mãos dele.

Parece um cabo de guerra: a menina puxa de um lado, e Tobias de outro enquanto argumenta com a garota.

– De jeito nenhum, minha filha! Paguei uma fortuna e mandei fazer os maiores embrulhos justamente pra impressionar minha chefe!

– Mas, senhor, todos os convidados estão deixando aqui. O senhor não poderá…

– E como vou provar pra minha chefe que os presentes fui eu que dei?! O meu décimo terceiro tá todo aí, não posso facilitar, não!

– Estamos etiquetando todos os embrulhos, ela saberá qual é o presente do senhor!

– Sei não… não causa o mesmo impacto que dando pessoalmente.

– Acho que se o senhor der os presentes pessoalmente vai demonstrar pra sua chefe que tá querendo mesmo impressioná-la. Não pega bem. Além do quê, como ela vai guardar? Vai acabar ficando com raiva do senhor. Melhor não dar mole, não é?

Com um argumento tão poderoso, a possibilidade de chatear a chefe, Tobias acaba deixando os presentes com a Fada Sininho trabalhada no fermento. Mas Tobias exige que o nome dele seja escrito em letras garrafais, com grande destaque. A Fada atende ao seu pedido, e Tobias sai na ingrata missão impossível de encontrar sua chefe naquele mar colorido de crianças e gritarias.

– Fazer o quê, né mesmo? Vamos, Tobias, coragem! Afinal, você é um homem ou um rato? – pergunta a si mesmo, engolindo em seco.

Com a coragem de um rato cercado por uma gataria impiedosa, Tobias segue em frente, agora de mãos vazias e sem saber onde colocá-las.

Ele procura avistar sua chefe-generala entre o mafuá que impera, mas não tem sucesso.

Nisso, uma garçonete gordinha e vesga, fantasiada de duende, lhe oferece brigadeiros numa bandeja enfeitada.

Tobias olha para os brigadeiros, olha para a duende vesga, e nesse momento passa perto dele o terrorista-mirim que lhe lança olhares esperando que ele coma o doce melecado.

– Não, obrigado. – diz Tobias, tentando evitar a cara de nojo.

– Mas é brigadeiro de chocolate belga com recheio de trufas brancas da Toscana e granulado de açafrão espanhol caramelizado. O dinheiro gasto nesse brigadeiro dava para me sustentar durante cinco anos – garante a garçonete, mostrando uma pontinha de despeito.

– Não, muito obrigado. – e tenta se esquivar.

– A dona da festa caprichou – constata – Tem certeza de que não quer comer nem unzinho?

Temendo o pior, que a chefe o esteja vendo recusar a iguaria refinada, Tobias pega um brigadeiro com as mãos trêmulas.

Olha para o doce.

Olha para a garçonete vesga, que o incentiva silenciosamente.

Fecha os olhos e o joga rapidamente dentro da boca, engolindo de supetão, sem saborear a iguaria.

Ao abrir os olhos, dá de cara com o terrorista-kid, que comemora o infortúnio de Tobias, que sai fazendo ‘cara de paisagem’, para não dar o braço a torcer para l’enfant terrible.

Cada vez mais assustado com a euforia mirim, Tobias tenta se resguardar, andando o mais longe possível da enorme confusão.

Nisso, surgem três garotos que vêm em sua direção dirigindo minimotos, que só podem estar turbinadas com eletricidade e açúcar.

Tobias tenta se desviar, mas acaba sendo puxado pelo recreador, que pensa que ele está se oferecendo para participar da brincadeira.

E aí começa a pagação de mico que parece que Tobias tem a força espiritual para atrair: logo de cara, o recreador coloca na cabeça do pobre infeliz um chapéu que tem a carinha de elefante; a tromba cai em cima de seu nariz.

Não satisfeito, o funcionário faz com que o azarado do Tobias dance ao som do hit retrô "O passo do elefantinho".

As crianças vão ao delírio, e algumas, mais afoitas, sobem no pequeno tablado para dançar junto.

O recreador, vendo o sucesso da brincadeira capitaneada por Tobias, tenta impedir quando este saía de fininho, enquanto os pirralhos, elétricos, pulam e dançam, numa gritaria só. Mas Tobias segue em frente, não aceitando as argumentações do rapaz.

De repente, ele parece ouvir seu nome; para em frente ao tobogã e olha para o lado, pensando que finalmente sua chefe o viu, quando, repentinamente, é atropelado pela enorme matrona que desce do brinquedo infantil, derrubando-o como se ele fosse um frágil pino de boliche. Com o impacto, os dois acabam rolando pelo chão, num espetáculo deprimentemente cômico.

Com dificuldade, Tobias se levanta, enquanto os que estão ao seu redor caem na gargalhada.

É quando a Fada Sininho marombada anuncia ao microfone que é hora do ‘Parabéns’. Uma multidão se forma ao lado da mesa do bolo. Tobias tenta se aproximar e ver alguma coisa, mas os pais, querendo que seus pimpolhos vejam o glamour do evento, colocam as crianças nos ombros, dificultando que Tobias enxergue com facilidade.

Ao som de Celine Dion, muito gelo seco e chuva de papel picado nas cores do arco-íris, os pais, encabulados, entram carregando um bebê com aparência de um ano.

Quando Tobias vê aquilo, fica confuso. Muito confuso. Afinal, sua chefe é mãe de gêmeos e os pirralhos têm sete anos.

Tobias olha para o lado, tentando entender a situação, quando ele vê a duende vesga. Aflito, pega a garçonete pelo braço.

– Aqui não é o aniversário dos gêmeos da doutora Carmela Silva e Silva?

– Quem?

– Eu fui convidado para o aniversário de gêmeos, e ali tá um menininho de um ano! Olha, eu tenho certeza, é aqui! – diz Tobias, tirando do bolso da calça o convite de aniversário.

A duende vesga, com dificuldade de enxergar, pega o convite e confere.

– Realmente, o senhor está no local certo. Mas o aniversário dos gêmeos tá com a data de amanhã. Olhe. – diz, mostrando o convite amassado.

P.S.: Não deixe de ler as outras aventuras de Tobias: “O fim do mundo” e “A festa da firma”.

Carla Giffoni
Enviado por Carla Giffoni em 26/01/2016
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T5523284
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