A Quadratura do Círculo-cap. VIII
-Quem sabe o que é na vida?-Falei sério- Qual de vocês nunca mentiu? O que é a verdade? Quem sabe algo sobre si? Eu nem sei o que quero...
-Sempre a mesma coisa, desde moleque, o “filósofo”, com isso se acha melhor que os outros- era Rufino a em alfinetar...
-Eeuu? Quem disse isso?
-Ih, vamos mudar de assunto-Leiloca , levantando num pulo, puxando a minissaia, apagando a bituca, saracoteou para o som e aumentou o volume:
-Vamos dançar, gente, há,há,há!!
Quem era eu no meio daquela gente sem rumo e sem prumo? Onde me enquadraria, onde me acharia? Eu e Paloma, tão diferentes, mas...tão iguais! Não sabemos o que queremos ou o que somos..no fundo de todo o ser reside o matuto, o ser ingênuo, primitivo...em cada um a vida forjou ou a sagacidade ou a desconfiança ou a vulgaridade...ou, isso já é inato?
-Fico pensando: o mundo está vindo abaixo e nós...aqui, tomando cerveja; no final da Segunda Guerra, em meio a bombas, as pessoas levavam a vida...os correios funcionavam- falei de supetão.
-O que quer dizer com isso?- era Rufino, que parou, com as mãos nos bolsos.
-Quero dizer que nos acostumamos com tudo...passamos por mendigos na rua e nem ligamos...se alguém cai a nossa frente, poucos se dão conta. Se nos espantássemos com tudo...
-Não teríamos esse sangue de barata...Eu me impressiono com tudo...Não posso ver sangue...sou do interior; lá qualquer coisa impressionava a gente-Paloma completou.
-Pois é...a gente se acostuma com tudo...o pior é essa facilidade para disfarçar e achar qe está tudo normal...os carrascos nazistas eram bons pais, bons esposos...-Disse Rufino.
-Fico pensando na vida de um carrasco...ao chegar a casa, após uma execução, conta pra esposa os detalhes ou brinca com o cachorro, vai jantar? Pra ele é a coisa mais normal do mundo...-afirmei.
-Ih, mas que papo!...vamos mudar de assunto. –Era Leiloca a falar.
-Ah, sim, vamos falar sobre as mais perfumadas violetas do campo!- Rufino troçava.
-Sim, mas não existe sentimento pior que a indiferença; estar anestesiado das coisas da vida; não chorar, não sofrer, não estender a mão ao sofredor, não se compadecer; se negar a ser, a viver...não se deve falar só de amenidades, mas da punhalada no peito...o riso, ah, o riso...que vem da alma, do prazer, só esse é válido e não o por comodidade, conveniência...-disse isso e saí da sala.
Leiloca ficou embasbacada:
-O que eu fiz pra ele?
-Não esquenta; ele é assim mesmo...-Rufino respondeu-sempre hipersensível e desligado.
Saí lá fora... o ar mais fresco arejou as minhas ideias...o céu lá em cima: “ora, direis...ouvir estrelas”, como diria Bilac; quisera eu viver como essa gente que vive e nem sabe de onde e para que veio ao mundo; apenas se alegram, saracoteiam, sem se preocuparem com a “Quadratura do Círculo”, como eu...insatisfeito com sua condição, com sua existência. Ora, no dia em que me considerar satisfeito não viverei mais.
-Um filho?
-Sim, Bartô, minha mãe quer um; já não sou tão nova; ela também não...seria uma alegria para ela.
-Você disse bem: para ela!
Ficou estática; depois respondeu:
-Bartô, o que você quer da vida?
-E o que ela quer de mim?
-Ah, onde estava coma cabeça quando casei com um biruta desses?