Eu resolvi ter esperanças
A chuva cai tranquilamente lá fora. A tempestade já passou, agora vem uma das piores partes: ver o que foi destruído, e tentar reparar os danos. Faz frio, muito frio. Mamãe não tem dinheiro para comprar casacos novos, nem cobertores. Ela não tem dinheiro nem para comida, nos últimos tempos estamos vivendo de sobras. Não é fácil morar em Londres. Por de trás de toda sua beleza, toda sua luz, há pessoas vivendo na escuridão, consumindo-as, acontece exatamente isso com minha família. Os tempos são difíceis, bem difíceis. Mamãe tinha um trabalho, antes da crise chegar até nós. Trabalhava como gerente de uma grande empresa, então a empresa faliu, e não havia mais empregos, em lugar nenhum. Papai havia morrido alguns meses antes, estávamos tentando seguir, mamãe, Elisabeth e eu, mas é simplesmente difícil tentar se levantar, quando onde pisamos é liso demais. É inútil tentar se reerguer.
Olhamos para o pouco que temos, agora tudo encharcado. A lona havia se rasgado novamente, nunca durava muito, de qualquer forma. Elisabeth, de 5 anos, está chorando, pegou um forte resfriado. Sinto falta da escola. Sinto falta dos amigos, dos conteúdos, de saber que teria comida quando voltasse para casa.
Ajudo mamãe a tirar as roupas do chão. Minha barriga ronca. Fome dói. Dói muito mais do que algumas dores físicas.
Ajudo-a, e quando terminamos, sentamos na velha cama que achamos por aí. Mamãe está velha, vejo isso quando a olho e percebo seu olhar sempre cansado.
— Mamãe, já acabou? — Pergunto.
— Não, querida. — Ela sorri. — Está apenas começando.
Apoio minha cabeça em seu ombro, e ficamos assim durante um bom tempo, aguardando. Nossa vida se resume a aguardar. Aguardar a próxima chuva, que com certeza não está longe. Aguardar a próxima destruição, ver tudo se ruir novamente.
Aguardamos.
Aguardamos.
Ouço trovões, e sei: vai tudo começar novamente. Por incrível que pareça, não perco as esperanças. Não perco as esperanças de dias quentes e ensolarados, de uma vida melhor e comida fresca. Não perco a esperança, porque sei que quando a perder, perderei tudo novamente. Esperança é tudo que tenho agora.
E então, eu espero.