MEU CORAÇÃO GRITA

Não me perguntem porque eu casei com o Ivan. Não existe uma explicação muito lógica para isto. Na verdade, acho que fiquei com medo de ficar solteirona para sempre. De repente minhas amigas todas começaram a casar, ter filhos… até mesmo as mais feiosas pareciam ter encontrado os amores das suas vidas. E eu ali, marcando passo com alguns relacionamentos que não me levavam a lugar nenhum. Era como se todas as mulheres do mundo estivessem se casando e a única solteira fosse eu, a coitadinha. Depois, minha família começou a me cobrar – muito sutilmente – se eu não daria um jeito de achar um chinelo velho para o meu pé torto. Afinal a idade estava chegando, não era muito aconselhável ter filhos muito tarde, coisas do tipo. E isto que mal eu tinha feito trinta anos de idade.

De alguma forma, aquilo mexeu comigo. Minhas amigas agora eram mulheres casadas. Deixaram de sair para se divertir para ficar cuidando dos maridos. Eu sempre achei isto antiquado, mas as invejava mesmo sem assumir isto para mim mesma. Aí apareceu o Ivan. Professor de faculdade, muito inteligente, respeitadíssimo pelos colegas de profissão. Nos conhecemos em uma reunião familiar. Ele era muito amigo de um primo meu e se apaixonou à primeira vista por mim.

Para falar a verdade, eu o achei um bobão. O Ivan não fazia e nem nunca vai fazer o meu tipo de homem. Eu gostava de homens divertidos, de alto astral, que curtiam uma praia aos fins de semana, verão, caipirinha, beijos apaixonados ao ar livre. O Ivan era contra tudo isto. Sério, contido, não ria alto. Adorava o frio e detestava praia. Beijos? Só os burocráticos. Por que me casei com ele? Porque achei que estava sobrando.

Depois de algumas tentativas, acabei aceitando um convite dele para jantar. E assim foi indo. O Ivan me convidando para ir a cinemas, jantares, passeios à serra… e eu aceitando cada convite porque não tinha nada melhor para fazer. Nosso primeiro beijo foi bom só para ele. Eu fingi que gostei. Mas mesmo assim continuamos a sair juntos e eu, tão decepcionada que estava com os homens, achei que nunca mais encontraria nenhuma paixão na vida. Por isto, quando ele me pediu em casamento depois de dois meses saindo juntos e sem nenhum sexo, aceitei.

Bem que meu pai tentou me dissuadir na véspera do casamento de não casar. Quase cedi aos apelos dele, mas era tarde demais. Casei com o Ivan em uma linda tarde de sábado. Ele estava radiante. Eu, com depressão.

Passamos a lua de mel na serra – para meu horror – e em seguida voltamos a nossa vida normal. Eu me sentia a mulher mais infeliz do mundo. E o meu azar é que o Ivan era tarado e pervertido. Atrás daquela fachada de homem sério, se escondia um pervertido de causar inveja no Michael Douglas. Não demorou muito para que eu inventasse enxaquecas horrorosas, quase beirando um tumor no cérebro. Aos poucos, comecei a pensar em alguma maneira de escapar daquela prisão horrorosa que eu havia construído para mim.

Quando eu descobri que o Ivan estava me traindo com a vizinha gostosona do 5º andar, antes de ficar surpresa, fiquei eufórica. Que maneira mais fácil de me livrar daquele chato, pensei eu. Na certa, ela tinha se encantado pelos dotes sexuais do Ivan. Não pensei duas vezes em fazer minhas malas, pegar meu computador e abandonar o apartamento enquanto ele estava fora. Quando coloquei meus pés na calçada, carregada com o peso das minhas coisas, me senti a mulher mais livre do mundo. Saí atrás de um táxi que me levasse para o aeroporto. Eu precisava do calor do sol, das águas cálidas do oceano, da vida que tinha se perdido de mim e que eu acabava de encontrar. O Ivan que se danasse, minha família que me esquecesse. Finalmente eu havia me dado conta que não precisava de ninguém mais além de mim para ser feliz. É chavão, sim. Mas se as pessoas escutassem, ao menos uma vez na vida, o que os seus corações gritam, elas seriam bem mais felizes.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 04/07/2007
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