Croissant de ontem
Este e outros estão no livro "As luzes de gás neon", do autor.
Croissants de ontem
Há tempo que o relacionamento não era mais o mesmo. Algo tinha se quebrado. Os desentendimentos se tornaram mais frequentes. Algumas vezes por motivos fúteis, outras porque não tentavam uma convergência. Em outras circunstâncias os desencontros não teriam o mesmo desfecho. Assim se tornou a vida de Sandro e Cristina.
Os filhos, ora estavam atentos às discussões, ora se mostravam indiferentes. “Eles que se entendam” – afirmava um deles.
O casal procurava explicações e motivações para os desencontros, mas a verdade era que não havia razão maior do que o fato de que Sandro não mais amava Cristina. Ou, pelo menos, como deveria ser o amor entre os casais. Algum outro sentimento haveria de existir. O que passava disso era meras especulações, motivações infundadas, buscas vazias.
Ele já não mais a olhava com o mesmo olhar de tempos atrás. Aquela mulher que um dia exercera sobre ele um certo fascínio, não mais o atraía. E não era pelas marcas que o tempo fizera. Marcara ambos. Sandro pensava em que ponto da jornada havia seguido por outro caminho. Ás vezes sentia-se culpado por algo que talvez tivesse deixado de fazer, para a situação chegar àquele ponto. Não encontrava respostas.
Nem mesmo as paisagens já não tinham as mesmas cores, o mesmo deslumbramento. Nenhum desejo ardente de está junto a Cristina, de compartilhar com ela suas angústias ou conquistas.
Cristina mantinha-se arredia a qualquer possibilidade de rompimento. Defendia com unhas e dentes a indissolubilidade do casamento e até considerava o divórcio um grande pecado. Percebia-se uma pontinha de sentimento de posse em suas declarações. Não iria deixar o seu marido para ninguém – assim pensava, enquanto imaginava Sandro com outra mulher.
Este, por sua vez, insistia que a separação seria a melhor alternativa para ambos. Quantas vezes Cristina dissera que se ele quisesse que saísse de casa, mas não contasse com a sua aquiescência. E ele ainda não tivera coragem de fazê-lo. E como não estava disposto a um divórcio litigioso, vivia suas frustrações e desentendimentos, marcadas por algumas compensações que a vida lhe oferecia.
O distanciamento não era tão perceptível diante dos outros, porque se esforçavam para manter as aparências. Não haviam procurado ninguém para um aconselhamento. Cristina não admitia a possibilidade de expor-se. Sandro também não conhecia ninguém. Não confiava em quem pudesse compartilhar suas angústias. Mesmo com esse quadro, ainda mantinham, de vez em quando, relações sexuais, certamente levados pelas carências afetivas que atacam os seres humanos. O coração dos dois, no entanto, sofria as consequências do quadro que viviam. Sabiam que precisariam de um mínimo de civilidade e respeito para se manterem ainda sob o mesmo teto.
O que os teria, de fato, levado a essa situação? Se refletissem, talvez chegassem a alguma conclusão. Cristina nunca participara mais efetivamente da vida e dos interesses de Sandro. Vivia os seus. Isso contribuía para um crescente isolamento entre ambos, sem que trabalhassem isso. Sandro ouvia de alguns amigos, entendimentos contrários ao divórcio, sem que conhecessem a sua situação.
Seria isso o suficiente para o desgaste na relação? – Ficava ele a questionar-se. E se encontrasse um novo amor? A situação entre ele e Cristina se tornaria insuportável. Mesmo diante desta hipótese, já sabia que Cristina tinha se decidido: não se separaria ou não concordaria com um divórcio amigável. Não abriria mão do seu orgulho de mulher ferida, além de que não tinha mais idade para enfrentar uma situação dessas – assim se manifestava.
Certo dia estavam no supermercado, onde compraram croissants no setor de padaria da loja. Eram fãs desse pãozinho de origem francesa. Nenhuma sofisticação. Era porque gostavam mesmo. Nisso concordavam. Na hora do cafezinho quente, era o melhor acompanhamento - diziam. Esqueciam-se das recomendações médicas quanto ao consumo dessa iguaria, em razão da existência de suas taxas sanguíneas fora dos padrões. Sem excessos, permitiam-se esse deleite.
Certa vez, por alguma razão, Cristina esqueceu de colocar os croissants na mesa, na hora do café. Quando os procurou no dia seguinte, lá estavam eles, murchos, feios, sem graça. Nenhum atrativo revelavam. Nesse momento, ela e Sandro se entreolharam e descobriram o que os croissants estavam a lhes dizer.