Infância

Ainda consigo sentir o cheiro do chocolate vindo da cozinha e entrando no meu quarto nos domingos. O cheiro era doce, igual a vida naquele tempo. Éramos uma família simples, porém rica em amor. Ainda consigo lembrar da voz de minha mãe cantando no quintal. Engraçado que parando para pensar agora, parecia que os pássaros sempre cantaram junto com ela. Lembro de brincar com as crianças na rua, lembro de ralar o joelho, e lembro também do meu pai limpando o machucado. A vida era a aventura mais gostosa de ser vivida. Lembro das brigas bobas com os irmãos, lembro dos sorrisos de todos durante o jantar. Lembro do natal, da família reunida. Lembro dos tios e tias fazendo pergunta enquanto bagunçavam meus cabelos. Tenho tantas lembranças boas, que em alguns momentos dá vontade de fazê-las ficarem para sempre.

Lembro muito bem também das lágrimas, da dor, quando perdi minha irmã mais velha em um acidente de carro. Lembro, depois de um tempo, da família não se reunindo mais, ninguém falava com ninguém.

Pois bem, lembro de finalmente crescer. Lembro do velório da minha mãe, e perguntei-me como os passarinhos cantariam sem ela. Lembro também da morte do meu pai, e percebi que ele já não estaria ali para me levantar quando eu caísse. Então, o tempo passou, a vida andou, e as memórias continuaram. Vidas tiradas, vidas vividas, e vidas ainda sendo vividas. Lembro de tudo isso, e um pouco mais, porque lembrar de tudo me faz forte. E essas lembranças me fazem pensar que ainda estou aqui, ainda posso viver, ainda posso fazer da minha vida algo inesquecível. Então, por fim, eu decido deixar de lembrar por um momento, e viver como alguém livre dos seus fantasmas.

Leticia Moura
Enviado por Leticia Moura em 11/01/2016
Código do texto: T5506902
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