Manda
Moço, afaste-se da janela, quer receber uma bala na cabeça?Nem sei o que você faz aqui! Esse é um lugar de malucos, hoje já morreram alguns inocentes, não quero que você seja mais um, disse um homem com um rifle na mão, mantendo aparente calma, embora jorrasse sangue da sua cabeça. Somente soube desse tiroteio quando havia entrado na cidade, respondi. Olhando pela fresta da janela enxergava as balas ricochetear sobre meu jipe estacionado na porta da Farmácia. Era uma cidadezinha de uma só rua, onde eu tinha dois clientes que em apenas uma hora os visitaria, depois seguiria pela estrada chegando à outra pequena cidade a cinquenta quilômetros, onde dormiria sob os lençóis perfumados de uma respeitável dama.
Assim se daria se não houvesse acontecido um imprevisto. Surpreso, por não saber o motivo do tiroteio, ouvia os tiros, as balas passar, as pessoas caindo e eu pensando que seria o próximo. Aturdido, nem me lembrava de fazer uma oração. Falava com as pessoas envolvidas no tiroteio, mas não me davam atenção, cada um cuidava de si. De repente segurei um homem que ferido rastejava próximo a mim, e, gritando perguntei o que havia? Ao olhar ele pareceu despertar, e me reconhecendo disse: Como você entrou nessa briga? Por acaso, respondi, mas eu preciso saber a razão de tanta confusão. O Tadeu engravidou minha filha, Manda e, não quer casar, esse é o motivo, respondeu. Permita, então, que eu proponha uma trégua? O comerciante hesitou, mas finalmente disse: Permito, sim, mas, vá com cuidado para não morrer em uma luta que não é sua.
Vou conseguir acabar com essas mortes, já resolvi questões mais complicadas, respondi. Estava embaixo de algumas sacas de babaçu e levantei-me devagarzinho, coloquei um lenço branco na ponta de uma barra de sabão e levantei o braço, o que foi suficiente para uma bala atravessar o sabão. Recuei. Meu corpo tremia, sentindo muito medo, mesmo assim, gritei: Hei! Aqui é o caixeiro- viajante, nós precisamos conversar, eu tenho uma proposta de trégua para cessar essas mortes, você pode me escutar?Do outro lado da rua alguém falou: Não se envolva em uma briga que não é sua, não queremos lhe atingir. No entanto o que tem a dizer? Se houver o casamento de Manda e Tadeu estará tudo resolvido? Sim, é isso que queremos, falou o homem. Então, amigo, imediatamente suspenda o fogo porque desse lado já interrompemos, disse eu. Não se ouviu nem mais um tiro, parecendo estarem ansiosos para por fim a batalha. Havia cessado a luta só com minhas palavras, mas eu não queria ser um herói, desejava unicamente salvar minha pele. Os mortos e feridos foram recolhidos, restando somente dor e sofrimento. No entanto, a guerra não terminaria enquanto não houvesse casamento. Face ao tiroteio, o padre havia se ausentado da cidade, o Juiz de Paz havia viajado à Capital, e às pessoas envolvidas não poderiam celebrar o casamento. Lembraram-se, então, do caixeiro-viajante.
Sim, eu não poderia recusar, até porque não tinha como não aceitar, pois uma recusa poderia ser interpretada como desfeita e ali, ofensas costumavam terminar em tragédia. Aconteceu que Manda entrou em trabalho de parto, e outra vez lembrou-se do caixeiro-viajante que foi solicitado a levar a moça a uma parteira distante da cidade. Sem opção aceitei. Na estrada arenosa dirigia o jipe acima da velocidade segura, no alto o Sol brilhava tal uma manopla de fogo, a cigarra cantava anunciando mais calor naquele inesquecível dia. Ao meu lado Manda se contorcia de dor. Os capangas ocupavam o banco traseiro como garantia que eu levaria e traria de volta a moça, embora dissessem que era para minha segurança. A bolsa rompeu, disse Manda. Parei o jipe à sombra de um babaçu, e sem pestanejar, um capanga mal-encarado disse: Faça o parto. Eu respondi: Não sou parteiro. Faça assim mesmo, se não fizer eu varo sua cabeça com uma bala. Virei o corpo dando-lhe uma pernada no pescoço que o deixou desacordado. Senti um cano frio de uma arma na minha cabeça e o outro capanga dizendo: — Faça o parto ou estouro seus miolos. Naquela circunstância respondi: Vou ver o que faço, lembrando-me que havia deixado a Luger alemã no porta-luvas. — Assim é melhor, disse o sujeito com um sorriso sarcástico. Afastei os homens, um ainda zonzo, coloquei manda numa posição confortável e lembrei-me de alguns ensinos que uma bondosa mulher havia me ensinado.
Rezei o pai nosso e pela primeira vez fiz um parto e continuei vivendo para contar a história. Voltei à cidade com Manda e o menino ao meu lado, ela sorrindo, e ele chorando. Os capangas no banco de trás conversando, diziam: Antes que ele saia da cidade eu devolvo a pernada que ele me deu... No dia seguinte na cidade reinava a paz e harmonia. Celebrei o casamento e batizei um lindo menino, dando-lhe o nome de Felipe. Nunca mais voltei lá, mas espero que ele esteja vivendo com saúde, e que haja paz e harmonia em sua longínqua cidade do sertão maranhense.
Moço, afaste-se da janela, quer receber uma bala na cabeça?Nem sei o que você faz aqui! Esse é um lugar de malucos, hoje já morreram alguns inocentes, não quero que você seja mais um, disse um homem com um rifle na mão, mantendo aparente calma, embora jorrasse sangue da sua cabeça. Somente soube desse tiroteio quando havia entrado na cidade, respondi. Olhando pela fresta da janela enxergava as balas ricochetear sobre meu jipe estacionado na porta da Farmácia. Era uma cidadezinha de uma só rua, onde eu tinha dois clientes que em apenas uma hora os visitaria, depois seguiria pela estrada chegando à outra pequena cidade a cinquenta quilômetros, onde dormiria sob os lençóis perfumados de uma respeitável dama.
Assim se daria se não houvesse acontecido um imprevisto. Surpreso, por não saber o motivo do tiroteio, ouvia os tiros, as balas passar, as pessoas caindo e eu pensando que seria o próximo. Aturdido, nem me lembrava de fazer uma oração. Falava com as pessoas envolvidas no tiroteio, mas não me davam atenção, cada um cuidava de si. De repente segurei um homem que ferido rastejava próximo a mim, e, gritando perguntei o que havia? Ao olhar ele pareceu despertar, e me reconhecendo disse: Como você entrou nessa briga? Por acaso, respondi, mas eu preciso saber a razão de tanta confusão. O Tadeu engravidou minha filha, Manda e, não quer casar, esse é o motivo, respondeu. Permita, então, que eu proponha uma trégua? O comerciante hesitou, mas finalmente disse: Permito, sim, mas, vá com cuidado para não morrer em uma luta que não é sua.
Vou conseguir acabar com essas mortes, já resolvi questões mais complicadas, respondi. Estava embaixo de algumas sacas de babaçu e levantei-me devagarzinho, coloquei um lenço branco na ponta de uma barra de sabão e levantei o braço, o que foi suficiente para uma bala atravessar o sabão. Recuei. Meu corpo tremia, sentindo muito medo, mesmo assim, gritei: Hei! Aqui é o caixeiro- viajante, nós precisamos conversar, eu tenho uma proposta de trégua para cessar essas mortes, você pode me escutar?Do outro lado da rua alguém falou: Não se envolva em uma briga que não é sua, não queremos lhe atingir. No entanto o que tem a dizer? Se houver o casamento de Manda e Tadeu estará tudo resolvido? Sim, é isso que queremos, falou o homem. Então, amigo, imediatamente suspenda o fogo porque desse lado já interrompemos, disse eu. Não se ouviu nem mais um tiro, parecendo estarem ansiosos para por fim a batalha. Havia cessado a luta só com minhas palavras, mas eu não queria ser um herói, desejava unicamente salvar minha pele. Os mortos e feridos foram recolhidos, restando somente dor e sofrimento. No entanto, a guerra não terminaria enquanto não houvesse casamento. Face ao tiroteio, o padre havia se ausentado da cidade, o Juiz de Paz havia viajado à Capital, e às pessoas envolvidas não poderiam celebrar o casamento. Lembraram-se, então, do caixeiro-viajante.
Sim, eu não poderia recusar, até porque não tinha como não aceitar, pois uma recusa poderia ser interpretada como desfeita e ali, ofensas costumavam terminar em tragédia. Aconteceu que Manda entrou em trabalho de parto, e outra vez lembrou-se do caixeiro-viajante que foi solicitado a levar a moça a uma parteira distante da cidade. Sem opção aceitei. Na estrada arenosa dirigia o jipe acima da velocidade segura, no alto o Sol brilhava tal uma manopla de fogo, a cigarra cantava anunciando mais calor naquele inesquecível dia. Ao meu lado Manda se contorcia de dor. Os capangas ocupavam o banco traseiro como garantia que eu levaria e traria de volta a moça, embora dissessem que era para minha segurança. A bolsa rompeu, disse Manda. Parei o jipe à sombra de um babaçu, e sem pestanejar, um capanga mal-encarado disse: Faça o parto. Eu respondi: Não sou parteiro. Faça assim mesmo, se não fizer eu varo sua cabeça com uma bala. Virei o corpo dando-lhe uma pernada no pescoço que o deixou desacordado. Senti um cano frio de uma arma na minha cabeça e o outro capanga dizendo: — Faça o parto ou estouro seus miolos. Naquela circunstância respondi: Vou ver o que faço, lembrando-me que havia deixado a Luger alemã no porta-luvas. — Assim é melhor, disse o sujeito com um sorriso sarcástico. Afastei os homens, um ainda zonzo, coloquei manda numa posição confortável e lembrei-me de alguns ensinos que uma bondosa mulher havia me ensinado.
Rezei o pai nosso e pela primeira vez fiz um parto e continuei vivendo para contar a história. Voltei à cidade com Manda e o menino ao meu lado, ela sorrindo, e ele chorando. Os capangas no banco de trás conversando, diziam: Antes que ele saia da cidade eu devolvo a pernada que ele me deu... No dia seguinte na cidade reinava a paz e harmonia. Celebrei o casamento e batizei um lindo menino, dando-lhe o nome de Felipe. Nunca mais voltei lá, mas espero que ele esteja vivendo com saúde, e que haja paz e harmonia em sua longínqua cidade do sertão maranhense.