Uma oração de Natal
Ele levantou cedo naquela manhã. Ainda estava escuro. Foi até o quarto das crianças e beijou os quatro filhos. Dois meninos e duas meninas. Em uma cama de casal que fora sua tão logo tinha casado dormia as duas meninas e em um beliche que ganhará algum tempo atrás dormiam os dois meninos.
Foi até a cozinha onde a esposa já estava sentada com o chimarrão pronto. Ninguém falou nada. Ele olhava angustiado para a porta e tão logo viu o sol nascendo saiu. As ruas da cidade ainda estavam desertas. Teria que esperar a cidade acordar.
Foi para uma das praças, sentou num banco sentindo uma leva brisa da manhã lhe acariciar o rosto. Viu os primeiros movimentos nas ruas.
Caminhou mais um pouco. Sem um rumo definido. Simplesmente caminhou por caminhar na esperança que naquele dia, por ser aquele dia, um milagre acontecesse. Olhou em volta e num poste um João de Barro entrava na sua casinha com alguma coisa no bico. Parou e ficou olhando para aquela bucólica cena. Ficou mais de cinco minutos ali, encarando aquela casinha de João de Barro, enquanto uma lágrima teimosa corria solta pelos contornos de seu nariz.
Caminhou mais um pouco e parou diante da igreja onde algumas pessoas entravam para a missa da manhã. Na sua grande maioria idosos. Decidiu entrar.
Sentou no fundo e não pode deixar de notar os olhares curiosos daqueles que o viam no templo pela primeira vez. Não se importou a principio, apenas fechou os olhos e falou com Deus. Não tinha certeza se existia mesmo um ser celestial ouvindo as suas preces, mas naquele momento e em especial, por ser aquele dia, sentiu que talvez houvesse mesmo alguém que escutava suas lamentações e então assim orou:
“Senhor, perdi meu trabalho a três meses. Me dói a alma em pensar que não fui demitido por incompetência, nem nada do tipo, eu era um funcionário modelo. Dizem que foi a tal crise. Tenho que acreditar e aceitar. Desde então não consegui mais arranjar trabalho. Tenho me virado como posso. Algum biscate aqui, algum biscate ali, mas tenho que confessar; está difícil.
Hoje é Natal. Sai de casa pela manhã porque não tive coragem de esperar meus filhos acordarem e ter que encará-los para dizer que eles não ganhariam nenhum presente neste ano. Eu sei que as crianças no Natal sonham em ganhar alguma coisa. Eu mesmo era assim. Mas meus filhos não ganharam nada neste ano. Não porque não quero dar, mas porque não posso.
Hoje vi um João de Barro, senhor, entrando na sua casa com alguma coisa no bico. Me deu uma tristeza em pensar que até aquele animalzinho estava conseguindo levar algo para sua família no Natal e eu não. Me senti a pior das criaturas.
Quando entrei aqui, pensei em fazer um pedido ao senhor. Queria que o senhor realizasse um milagre em minha vida e que eu conseguisse ao menos alguma coisa para levar para casa e presentear meus meninos, mas então, sentado aqui, na calmaria de sua casa, pensei mais a fundo, e me perguntei; porque o senhor me ajudaria?
Tinha um trabalho e nunca tirei um minuto para pelo menos agradecer por ele. Quando consegui comprar minha casinha, mesmo que financiada em tantas vezes que talvez morra antes de pagar, comemorei com os meus, sentindo-me dono do mundo, como se aquela fosse uma conquista só minha e esqueci o quanto o senhor fez para que eu a conquistasse.
Quantas vezes tive comida na minha mesa. Tudo do bom e do melhor e quantas vezes agradeci? Nenhuma. Talvez eu ainda fosse um menino da casa da minha avó quando ela me fazia orar e agradecer pela comida que iria ingerir logo em seguida. Depois nunca parei para dizer obrigado por me permitir comer enquanto tanta gente passa fome.
Tenho uma família linda. Quatro filhos maravilhosos e uma esposa que é um anjo e mesmo assim nunca parei para agradecer pelo senhor ter me permitido viver ao lado deles.
Se o senhor amanhã me obrigasse a viver somente com aquilo que agradeci hoje, amanhã seria alguém sem nada, sem ninguém, porque nunca parei para agradecer. Talvez se não estivesse agora passando por dificuldades jamais pararia para agradecer.
Por tudo isso senhor. Digo agora; obrigado. Obrigado por me fazer ver as coisas que de fato são importantes para mim. Obrigado por me fazer compreender que mesmo o pouco que tenho é muito para muita gente que precisa mais do que eu, mas acima de tudo, obrigado por me fazer entender que enquanto houver vida, ainda haverá esperança.
Agora senhor perdoe-me por sair antes da missa acabar, mas vou para casa abraçar e beijar meus filhos, olhar no fundo dos olhos deles e dizer que não tenho dinheiro para dar-lhes presentes como a maioria dos seus amiguinhos vão ganhar, mas prometer dar-lhes amor por todos os dias da minha vida e esperar que eles compreendam, como eu agora compreendo, que esse é o maior presente que um pai pode dar ao seu filho. Amém.”
Ele saiu lentamente enquanto os olhares curiosos o seguiam em direção da porta...