É lógica de mais...
— Ei! O que o senhor está fazendo aí?
— Só tirando a erva daninha.
— Pode deixar, não vou pagar por este servicinho. É pouca coisa, depois eu mesma tiro.
— Precisa pagar não. Faço isto para proteger as casas, a cidade. Se for largando mão de limpar as gretas das construções, o mato vai invadindo tudo e ficando soberano. E se vier até minha casa? — o homem se explicava, dobrando a magreza para alcançar o chão.
Este diálogo era comum entre seu Osório e as donas de casa que não o conheciam bem. Aquela capinação era uma das manias do setuagenário. Os moradores mais antigos do lugarejo permitiam que ele entrasse nos jardins e quintais e fizesse toda a limpeza que quisesse; afinal, era até uma forma de economizar!
Osório tinha a humildade dos que viveram longos anos de trabalho sem pensar em resistir à sorte. Perdera a família, possuía uma pequena casa e recebia modesta aposentadoria do governo. Assim, com o correr do tempo, foi somando manias à solidão. Vestia-se com a elegância vinda do antigo guarda-roupa e mais algumas peças que ganhava da gratidão pelos pequenos trabalhos que executava. Usava sempre um mesmo terno velho para ir à Igreja e outras festividades. Conversava bem e gostava de aconselhar, amava pensar que estava orientando alguém, ajudando o outro a progredir ou a evitar o mal.
O dentista novo na cidade, não se sabe por que motivo, mudara de casa três vezes; até negociou uma que ele mesmo construíra e fora morar uns tempos de aluguel, dizendo que já planejava outra. Seu Zorão não teve dúvidas. Bateu à porta do homem que mal conhecia:
— O senhor sabe que é a mandioca que temos de mudar de cova? E, que se ficar mudando muitas vezes não presta? Fique quieto em seu lugar, como os clientes vão encontrar o dentista se a cada dia está num local diferente?
As crianças sentiam certo medo das contrações do rosto moreno e dos braços longos que Zorão agitava constantemente em gestos exagerados. Corria até a lenda de que se transformava em lobisomem nas noites de lua cheia. E se essa falácia chegava aos ouvidos dele, desculpava a molequice:
— São os maiores que amedrontam os irmãos para que não atrapalhem suas brincadeiras.
Se estas mesmas crianças estivessem jogando bola nas ruas, logo intervinha:
— Ah! Vocês vão quebrar uma vidraça! A dona vai reclamar... Sua mãe vai ficar brava com você que fez o estrago e com a vizinha que está dando a entender que ela não educou o filho! A confusão está feita! Jogar bola é no campo!
Quando se iniciou o asfaltamento das ruas, o economista Osório foi ter com o Prefeito e alguns vereadores:
— Não façam isto não, asfalto não presta! Essa porcaria come tudo a sola dos calçados.
E, não satisfeito, percorreu diversas casas proclamando este seu manifesto.
O nosso incansável batalhador pela limpeza, economia e saúde geral do município, assim explicava porque aos setenta anos era tão ágil, esperto e raciocinava com tamanha lucidez:
— O sangue tem que irrigar bem a cabeça! Temos que ficar sempre de pé para ele não escorregar para as outras partes de corpo!
Acatando a própria teoria, seu Osório dormia quase de pé. Várias pessoas já haviam visitado sua moradia com desculpas diferentes para conferir se isto era real. Enormes tocos de madeira foram colocados sob os pés da cama, na cabeceira. É difícil entender como o corpo não escorregava naquela posição.
Se a posição da cama era a chave para o sucesso da filosofia do nosso personagem, ninguém sabe! Mas, era um homem que acreditava em Deus de uma maneira muito sábia e deixou saudades com seus exemplos claros e simples.