905-O FUSCA AMASSADO
Luiz Otávio é um jovem bem educado e, tanto quanto possível, respeitador dos regulamentos ditados pelo pai, o delegado Davanti. Morando com os genitores, respeita a primeira de todas as regras: “Enquanto você morar em nossa casa tem que respeitar o regulamento da casa”.
Aliás, não são tantas nem tão rigorosas. Com relação ao uso do carro, por exemplo, o pai empresta-lhe aleatoriamente o seu fusca de cor azul-calcinha, para uma saída à noite com os amigos ou para um programa dominical com a namorada.
Digo, emprestou, até que um dia Luiz Otávio, portador de carteira de habilitação mas um tanto barbeiro na direção, bateu o carro.
Os danos não foram de grande monta. Porém, para sinalizar ao filho que “carro não é brinquedo”, o pai caçou-lhe o direito de dirigir o Fusca.
Em uma das viagens do pai e a mãe, num fim de semana, Luiz Otávio cometeu um ato ilícito, pois não resiste à proibição de usar o Fusca, que ficara na garagem. Saiu com o fusquinha para uma noitada com amigos.
Voltou para casa de madrugada, colocou o carro na garagem e foi dormir.
No dia seguinte, domingo pela manhã, ou melhor, lá pelas onze da manhã, ao sair, com uma bruta ressaca, passando pela garagem, viu um amassado no pára-lama traseiro.
Porra! Bati o carro ontem e nem percebi. Devia estar mesmo chapado. — pensou – Que merda! Não posso deixar papai saber que usei o carro. E muito menos que bati.
Procurou uma saída. Domingo, as oficinas fechadas... tou ferrado. A ressaca toldava-lhe os pensamentos.
Lembrou-se de Licurgo. Ah! Ele é meu chapa, tem oficina, vou pedir-lhe que...
Procurou o amigo que, em sua casa, curtia também uma ressaca. Em poucas palavras explico ao amigo o acontecido, e o que poderá resultar se seu pai, ao voltar da viagem, no dia seguinte, verificar não só a infração do regulamento pelo filho, como o resultado da noitada, o amasso no pára-lama.
Licurgo, bom companheiro, assumiu o serviço, apesar de estar também, ressaqueado. Trabalhou a tarde inteira, e pelas sete da noite o carro estva desamassado, como novo.
— Por favor, disse Luiz Otávio ao amigo, não vá dar com a língua nos dentes, contar pro papai...
Luiz Otávio não quer saber mais de brincadeira. Colocou o fusca na garagem, tomou um copo de leite e vai dormir.
Na manhã da segunda feira, tomou café com o pai e a mãe, que haviam chegado alta madrugada.
Após o café, Davanti foi à garagem e daí a pouco chamou o filho:
— Olha que coisa engraçada, Tavinho! Eu juro que alguém tinha batido no pára-lama traseiro na quarta-feira, quando fui ao centro. Eu ia até levar o carro pra oficina neste fim de semana. Mas agora, o carro não apresenta nenhum amassado. Que coisa estranha...
Luiz Otávio – Tavinho para o pai e a mãe - era malandro mas sabia que a mentira tem pernas curtas.
Olha, pai, não vou lhe mentir. Deis uma escapada no sábado, usando o carro...
— Esqueceu que estava proibido de usar o fusca?
— Não, não esqueci não. Quando cheguei de madrugada, coloquei o carro na garagem e no domingo de manhã, ontem, vi o amassado.
— E então...? — Davanti não conseguia segurar o riso, pois já previa o acontecido.
— Pensei que eu tinha amassado o carro e nem me lembrava. Aí, procurei o Licurgo, que fez o conserto ontem mesmo, de tarde. Pedi prá ele não contar nada pro senhor.
Davanti agora já não escondia a risada. Mas logo assumiu a seriedade e a autoridade de pai, para dar uma lição de moral no filho.
— É, meu filho, quando a gente faz coisas às escondidas, às conseqüências quase sempre são atrapalhadas.
E concluiu:
— Pela desobediência ao regulamento, você já pagou. E pela honestidade em me contar a verdade, daqui pra frente pode usar o fusquinha. Mas com cuidado!
Ambos se abraçaram como dois homens de bem.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 16 de julho de 2015.
Conto # 905 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS