A voz
O vento soprava forte, e as gotas de chuva se chocavam com o transparente da janela. O rebento dos raios lhe fizeram despertar em um salto. Desceu as escadas, descalço mesmo, e sem olhar para trás já estava na sala.
Não havia ninguém. A solidão lhe veio real como o frio que castigava seus pés descalços. Ela não estaria mais ali, deitada no sofá. Se fora para sempre. Sentou-se. Algo lhe dizia para chorar, mas não conseguia. O choro agarrava em sua garganta.
Foi tomado pelo desespero. Sentia a necessidade de ser maior que si mesmo, de tomar o céu em voo, de gritar e se desfazer em sons, mas não o era possível. Escorregou ao chão, abraçou suas pernas e finalmente chorou. Um choro de dor e medo. Medo pois lhe faltavam certezas, e dor pois já não tinha possibilidades.
Pensou que talvez sua mente não estivesse sã. Foi a cozinha e abriu o armário. De um gole e foi se um quarto da garrafa. Ao quarto, sentou defronte a janela. A chuva lhe trazia calma, ou quem sabe não fosse a bebida? Queria lembrar de um momento feliz. Mas lhe faltavam também, momentos felizes. O remorso e a culpa lhe envolveram. Talvez juntar-se a ela fosse o melhor. Ou silenciar para sempre a voz que lhe sussurrava ao ouvido.
Abriu seu armário, e pegou o que estava ao fundo, enrolado em panos. O gelado a tocar sua pele lhe dava poder. Abriu a janela e subiu no telhado. Chovia. Ventava. Os relâmpagos clareavam o céu em espaços curtos.
Engatilhou, atirou e ouviu o som. A voz em seu ouvido lhe dizia covarde. Observou o negrume do céu no horizonte. Rezou. Engatilho. Atirou.