Espelho meu
Quando criança Hugo queria ser notado pelo pai. Fazia de tudo para chamar- lhe a atenção, contudo este mal o notava entretido que estava com suas amantes. A mãe dele percebia o quanto aquilo o magoava. E do jeito dela fazia de tudo para compensar aquela falta. Para ele o pai era um herói, o idolatrava de tal forma que dizia para todos a sua volta que queria ser igual a ele quando crescesse.
Os anos se passaram e Hugo se tornou adolescente. Na escola era bem quisto, conversava com todo mundo, tinha vários amigos. Era alegre, divertido e tinha muitas namoradinhas. O pai ficou em segundo plano, mas em seu peito a magoa persistia. Ate que num belo dia ao chegar em casa da escola, o encontrou sentado no sofá da sala.
Hugo deixou a mochila escorregar do ombro para o sofá e disparou a falar. Disse o quanto esperou por um abraço, um carinho, pela sua presença nos aniversários, nas reuniões da escola e ele nunca estava presente. Disse o quanto esperou por um pai.
Alcides por sua vez disse o de sempre, pediu desculpas, disse que trabalhava demais, que mal tinha tempo para ele. Hugo então jogou na cara dele, que o seu tempo era gasto com as várias amantes, por isso sequer tinha tempo para ele e para com a mãe. A mãe ouvia a tudo calada, sofrida, amuada.
Mulher você não vai dizer nada! Vai deixar seu filho falar comigo desta forma! Disse ele com raiva.
Emília que permanecia calada e sentada numa poltrona levantou-se e saiu da sala. Já vira aquela cena antes.
Deixe minha mãe fora de nossa conversa! Disse Hugo com os nervos à flor da pele.
Você é meu pai também! Deveria comportar-se como tal. Tenho raiva do senhor, pelo seu descaso com minha mãe, para comigo. Você deveria deixar-nos em paz. Vá embora, vai ficar com sua puta!
O pai sobressaltou-se. Nunca tinha visto o filho daquele jeito.
Preferia ter outro pai ao senhor! Você nunca foi um pai. Sempre ausente sempre cheio de desculpas! Nunca serei como o senhor! Nos deixe em paz! Vai embora desta casa. O senhor não faz nenhuma falta aqui, eu cuidarei de minha mãe! E saiu da sala deixando o pai em estado de choque.
Os dias passaram transformaram-se em semanas. Depois deste evento, Alcides passava dias sem ir em casa. Ate que em um domingo chuvoso de agosto, chamou a esposa e o filho na sala e comunicou que estava indo embora, que tinha outra família.
Aquilo não era novidade para nenhum dos dois. A cidade toda sabia da outra família dele. A mulher que ele tinha arrumado lhe dera um casal de gêmeos. Hugo tinha raiva dela, pois ela sabia que o pai dele era casado.
Alcides saiu de casa sem uma palavra de adeus ou abraço de despedida. Vez ou outra ligava e ia visita-los. Mais a distancia entre ele e o filho só aumentava.
Hugo cresceu se tornou adulto e era muito parecido com o pai fisicamente. Muito bonito e charmoso. Por onde passava chamava a atenção. Ele sabia o quanto era sedutor e sabia usar o seu charme a seu favor.
Agora ele estava com vinte e cinco anos e namorava uma loira linda. Era mais nova que ele uns três anos. Alta, esguia, independente e batalhadora. Conheceram-se numa viagem a praia de Copacabana e de lá para cá não se desgrudaram mais.
Um ano se passou e ela começou a perceber os defeitos dele.
Quando saiam juntos, Hugo flertava descaradamente com outras mulheres. Se alguma lhe chamava a atenção ele a observava demoradamente sem importar com sua presença ao lado. Quantas vezes brigavam por causa disso e ele dizia o mesmo, que ela estava imaginando coisas onde não existia. Quantas vezes ela viu nomes de mulheres no seu histórico de chamadas e ele repetia que se tratava de ligações de trabalho.
Numa sexta-feira foram em um restaurante com três casais de amigos. Ele não poupou sequer as amigas dela. Conversava jogando charme para elas e quando entrava uma mulher bonita no restaurante ficava todo alvoroçado. Inventada desculpas para ir ao banheiro. Fazia questão de passar perto das mesas delas, encarava, sorria. Para onde iam a novela se repetia.
A família de Alice via o que todos enxergavam, o quanto Hugo era mulherengo. Os pais dela muitas vezes a ouviam chorar a noite e por mais que sofressem com aquilo, não faziam nada, pois sabiam que mais cedo ou mais tarde a filha colocaria um basta naquela relação.
Mais um ano se passou.
Alice foi desanimando com tudo aquilo. Ela percebeu que era muito sofrimento estar com uma pessoa como Hugo, todavia não conseguia desapegar-se. Resolveu que ficariam juntos, mais deixaria seu coração livre para quando surgisse outra pessoa. Não cobraria mais nada dele.
Hugo percebeu a mudança em Alice. Gostou do jeito dela, maduro e sem cobranças. E começou a fazer planos de tirar uma casa juntos, ate mesmo casar. Era uma mulher assim que queria ao seu lado, que não pegasse no seu pé e o deixasse livre dizia a todos. Já tivera muitos relacionamentos e todos foram desgastantes, pois havia muitas cobranças.
Ele a convidou para jantar num sábado. Lhe fez uma bela surpresa. A levou em restaurante caro e muito charmoso da cidade. A mesa estava posta para dois. Um balde de gelo com seu champanhe preferido sobre a mesa e duas taças de cristais reluzindo com as luzes do castiçal. Ele contratou uma dupla de violonistas para tocar a música dos dois. Ela ficou muito emocionada. Tudo perfeito. Mais o romantismo foi quebrado pelas trocas de olhares entre ele e uma morena da mesa ao lado.
No meio da conversa, ele trouxe a baila sua vontade de tirar uma casa juntos. Ela não disse nem sim ou não. Simplesmente o ouviu fazer planos e incluí-la.
Passados alguns dias, Alice disse a ele que teria que viajar a trabalho e que ficaria fora durante vinte dias.
Hugo disse que sentiria saudades, que gostaria de acompanha-la, mais por conta do trabalho não seria possível.
Ele a levou ate o aeroporto um dia antes de completarem três anos de namoro. Abraçaram-se demoradamente. Ela estava linda neste dia. Usava um tubinho preto, salto alto, os cabelos soltos do jeito que ele gostava. Ele sentiu um aperto no peito. Passou a mão demoradamente por seu rosto, os dedos entre seus cabelos. Ela brincou que chegaria ao seu destino descabelada e sorriu-lhe. Ele a viu caminhar rumo ao portão de embarque e desaparecer.
Esta foi a ultima vez que Hugo a viu.