Vítimas Ocasionais

Dias desses, eram por volta de sete e meia da noite, a menina veio ao meu encontro, andava devagar, e divagava ao andar. Parecia que estava em outro mundo, arriscaria dizer, que estava no mundo da lua, mas não posso afirmar ao certo, afinal, não tive coragem de perguntar em que mundo estava, mas o certo é que a matéria corpórea era da terra, mas seus pensamentos vagavam em algum outro universo.

Fiquei olhando-a, como se a conhecesse, e ela também mirou a mim como um alvo certeiro. Tentei me recordar de seu semblante, tinha uma pele clara, bem feita de rosto, de uma delicadeza ímpar, olhos amendoados e castanhos, um corpo franzino e bem magro, sem curvas, sem atrativos visuais, só mesmo o básico de um corpo. Mas o seu tímido sorriso iluminava a noite que já se aproximava apressadamente.

Por essas bandas, quando a noite chega, ela logo vai enegrecendo tudo. Fica tudo escuro tão depressa, que parece um fenômeno só de lá, mas é certo que outros lugares também são assim. A menina continuava a vir em minha direção, eu não me movia,paralisei, meus pensamentos por fim, começaram a ir com o vento. Pensava em pessoas que pudessem ser a menina de quem eu não me recordava; em pessoas que poderiam estar ali comigo, e por fim estava pensando nas contas que ficaram por pagar, pois naquele dia saí do trabalho tarde demais, não consegui quitar minhas dívidas.

De repente, quando voltei à realidade, a menina estava na minha frente, me olhava como se quisesse algo, mas nada dizia. As roupas estavam sujas e um pouco rasgadas,não possuía nenhum objeto em suas mãos, não pude olhar mais detalhes, pois ela logo, se pôs a chorar compulsivamente. Que terá acontecido para que estivesse daquele jeito? Fiquei sem reação por alguns instantes, ela chorava e logo me abraçou como se estivesse na presença de uma pessoa amiga. Estranhei. Quase tentei escapar de seu abraço, mas não pude. Uma sensação de empatia tomou conta de mim, de súbito meus braços a envolveram e a apertaram forte. Confesso, chorei junto. Pensava num modo de perguntar-lhe o que acontecera, mas não pude, as lágrimas travavam minha capacidade de falar. Tremi. Não estaria eu correndo o mesmo risco? Teria sido assalto, uma agressão sem propósito, uma tentativa de abuso? Qual teria sido a tragédia que a abateu? Teria sido vítima de que espécie de crime, de que espécie de pessoa?

Durante algum tempo ficamos ali,chorando, ela chorava de forma que doía no peito de quem ouvia.Estagnamos, com os braços entrelaçados uns aos outros, sem palavras, sem explicações, sem me lembrar se a conhecia ou não, só o silêncio e o atraso do ônibus que àquela hora já me incomodava. Mas e se o ônibus viesse, o que fazer com aquela moça? Levaria para a casa? Mas não a conheço? E será que devemos ajudar somente quem conhecemos? Mas se for alguém tentando aplicar um golpe? Mas como poderia ser golpe, senti seu coração pulsar tão rapidamente que sofri junto com ela, senti seu desespero? O que fazer?

Enquanto vagava meus pensamentos em questionamentos, ela me soltou do abraço vagarosamente, como se estivesse em câmera lenta, abaixou sua cabeça, lentou quase a ponto de se erguer por completo, enxugou suas lágrimas, suas bochechas tão branquinhas, agora estavam vermelhas como as rosas que se oferta para declarar amor, ainda uma lágrima insistiu em descer, ela a interrompeu no caminho, saindo aos olhos, não permitiu que escorresse por seu rosto, como quem diz: chega! Já basta de chorar! Sentiu-se forte. Olhou - me e me presenteou com um sorriso de agradecimento, singelo e doce. Talvez tenha lhe devolvido com um sorriso, mas não afirmo, me foge esse detalhe. Despediu-se. Nunca disse de onde viera, nunca soube seu nome, nunca soube o que houvera acontecido para que estivesse em tão más condições, nunca mais a vi novamente.

Enfim, o ônibus.

Ivy Silva cunha