O vidrinho de Cristal de Murano

Reencontrei-o depois de tantos anos passeando num shopping. Não me reconheceu, pensou que fosse uma abordagem. Eu carinhosa, abracei seus ombros e delicadamente conduzi-o a um banco onde sentamos.

_"Como você está diferente!" e eu sorrindo," é tio, o tempo muda as pessoas".

Era um querido tio irmão da minha mãe. Depois de falarmos sobre todos e como estava, veio à fase das lembranças. E quantas

eram! Foi dele que recebi de presente minha primeira boneca. Foi com

ele que dei voltas de motocicleta segurando firme na cintura. Era dele

que ganhava balas p distribuir com as outras primas. Uma vez, numa disputa por uma cédula p comprar chicletes, ele simplesmente rasgou a cédula dando um pedaço para cada. Tivemos que emenda-la com durex pra a fazer valer... rs

O tempo implacável deixou aquele homem alegre cheio de melancolia.

Convidei- o para me visitar na sorveteria. Na ocasião eu possuía uma linda, com muitas coberturas e pedras semipreciosas para deixar minha bancada mais bonita e apetitosa...

Achava aquele pedacinho mágico onde eu fazia amizades e vendia sorvetes. Ele passou a vir quase toda tarde, sentava-se na cadeirinha

de fora e ficava conversando ou vendo o movimento.

Então um dia, ele me falou que havia desistido de viver. Disse que estava cansado, que iria se internar e esperar morrer. Confesso que não levei a sério e até ri da sua história. Qual minha surpresa dias depois quando soube que realmente estava num hospital!

Fui até lá e abordei-o. “ Você não deveria estar aqui” e ele com um sorriso amarelo me respondeu:” Eu estou muito doente, e não quero ficar bom". Aquilo me deixou sem ação ou palavras. Fui pra casa e aí começa a historia do vidrinho de Cristal de Murano.

Havia ganho de presente um lindo vidrinho colorido, um objeto frágil e belo com cores brilhantes. Era pequeno uns 15ml talvez... Enchi-o de

água mineral, fechei -o e junto com um conta gotas fui levar ao hospital. Ele recebeu o presente curioso e admirado com sua beleza.

Expliquei: "Aqui está o segredo da sua cura. Você tem que tomar três gotinhas três vezes ao dia." Com isso me despedi prometendo voltar sempre.

O que rolou só soube depois de sua partida. Durante os dias seguintes ele realmente tomou as gotinhas como falei. Chamava a enfermeira ou pedia alguém que desse para ele. Depois do seu ultimo suspiro veio à confusão. Com quem ficaria o vidrinho? O que realmente continha nele? Cada filho queria o vidrinho para si até que o mesmo desapareceu. O que aconteceu?...Conto agora!

O vidrinho foi objeto de curiosidade e ambição. Lindo como era chamava atenção de todos. Meu tio ficava pedindo mais gotinhas até que secou. Tomou tudo! No seu ultimo instante ele só olhava para esse vidro. Enquanto discutiam sobre a posse do vidrinho outra tia sumiu com ele. Ela mesma me falou que colocou junto dele em seu bolso no velório sem que vissem.

Dias depois, uma filha veio me falar:" Mase, o que você colocou no vidro

que meu pai bebia?" Sentei com ela e respondi: -" amor. E continuei...

era água, mas cada gotinha representava um apego, uma lembrança feliz ou talvez uma ultime esperança “...

Ficamos as duas pensando e choramos caladas.

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sempresol
Enviado por sempresol em 29/06/2007
Reeditado em 28/02/2014
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