Uma vida a dois, nunca mais

Uma vida a dois, Nunca mais.

Naquele sábado è noite, Ricardo preparava-se para curtir a primeira noite de sua liberdade. Afinal acabara com o um casamento de 25 anos. Estava tão perdido quanto um passarinho que acabara de fugir da gaiola e não sabia o que fazer com a liberdade alcançada. A onde, ir, o que fazer? Eis a questão. Quem sabe ficar em casa e curtir a solidão. Não! Haveria de ter um lugar onde pudesse se divertir, curtir a vida. Ricardo estava se achando um adolescente prestes a cortar o cordão umbilical. A princípio começou a pensar num barzinho onde tivesse uma musiquinha suave, de preferência um pianinho. A escolha do local é que eram elas. Já tinha foleado às páginas dos principais jornais a procura do lugar ideal, mas, nada lhe agradava. Foi então, que teve uma idéia. Iria sair sem rumo certo. Seguiria seu instinto. Foi então, caminhando pela rua escura, sem destino contando com a surpresa que poderia encontrar. Nessas andanças, não se deu conta que estava no coração da Lapa. Lapa que outrora fez parte do seu cotidiano, da sua vida de boêmio. Tomar um chopinho no Capela, templo da boemia carioca onde se reuniam intelectuais, políticos, artistas e boêmios da cidade. Depois dar um tempo no Cabaré Brasil Dourado, olhar a movimentação dos pares dançando, beber um chopinho preto, sempre bem acompanhado e terminar a noite na Leiteria Boll, onde um bom copo de leite puro reporia as energias perdidas. Saborear um pão bem moreninho com muita manteiga e quem sabe, encontrar uma velha amiga, era tudo que desejava naquele momento. Infelizmente os tempos eram outros. A Lapa, a velha e boa Lapa, do seu tempo de rapaz, não mais existia. Passou pela calçada da sala Cecília Meireles, que anunciava um bom programa de música erudita. Mas não era bem aquilo que procurava. Continuando suas andanças, chegou à Rua do Lavradio, onde um bar chamado Emporium, anunciava em enorme letreiro luminoso uma audição de chorinho. É Isto pensou. È isto que procuro, disse baixinho. Nada mais carioca do que um chorinho. No passado fora um tremendo chorão. Aliás, Heitor Vila-Lobos, o grande maestro carioca e brasileiro o fora também.

Entrou e buscou um lugar privilegiado. Não queria perder nada. Há anos que não fazia um programa como aquele. Ricardo estava felicíssimo consigo mesmo. Não podia entender porque ficara tantos anos casado, fingindo uma felicidade que não existia na realidade. Enganando ou tentando enganar o tédio de uma união estável. Felicidade e casamento não combinam, são díspares.

Saboreava um chopinho bem gelado, quando o garçom veio sondar da possibilidade de dividir a sua mesa com uma dama, por breves momentos, até que houvesse um lugar para colocá-la. Ricardo aquiesceu com um misto de curiosidade e alegria. Diante de tanta gentileza, a dama, cujo, o nome era Abigail, agradeceu tanto cavalheirismo daquele gentil-homem. Abigail era uma formosa mulher. Uma mulher bastante elegante. Parecia uma deusa, tal o seu porte. Ao vê-la Ricardo sentiu seu sangue ferver nas veias, seu coração bater mais forte. Assim que se acalmou foi logo tratando de se apresentar. Depois de alguns minutos de silêncio travaram um delicioso diálogo

Passados mais alguns minutos já estavam bastante íntimos. Abriram seus corações. Contaram um para o outro as suas mágoas, decepções, frustrações e muito mais. Pareciam velhos amigos que não se viam há muitos anos e que agora o destino resolveu juntá-los novamente. Constataram que possuíam os mesmos gostos, os mesmos sonhos. Na verdade, o casal estava se entendo perfeitamente. Começa a pintar um clima romântico entre os dois. O romance floria como as floras na primavera. Súbito um pensamento mal tomou conta do seu cérebro. E se amor tomasse conta do seu coração? E se voltasse a amar outra mulher? Iria recomeçar tudo novamente. Iriam dividir o mesmo teto. Reclamar um do outro constantemente. A mulher iria recriminá-lo por molhar a taboa da privada. De deixar á toalha molhada no banheiro, das cinzas do cigarro no tapete, das roupas espalhadas pela casa. Ele por sua vez iria ficar chateado ao vê-la com creme no rosto, papelotes nos cabelos e seria obrigado a ouvir sua tagarelice sem parar. Não. Não estava mais disposto a passar por tudo aquilo novamente, mas, por outro lado não podia dispensar aquele monumento. E seu orgulho masculino com iria ficar? Podia desfrutar dos carinhos daquela mulher nem que fosse por uma única noite. Depois do objetivo alcançado cada um seguiria o seu caminho.

Resolveu criar um clima que favorecesse aos seus instintos. Ricardo convidou Abigail para irem festejar aquele feliz encontro no cabaré Brasil Dourado, ali mesmo na Lapa. Um pouco surpresa pelo inesperado convite, Abigail depois de meditar um pouco acabou aceitando.

Foi uma noite inesquecível. Dançaram. Comeram, beberam e namoraram a valer. Pareciam dois meninos em dia de gazeta. No entanto, os planos de Ricardo não foram completos. Ao se despedirem cada um foi para as suas casas. Ambos concluíram que era cedo demais para se envolverem num relacionamento mais profundo. Contudo, combinaram um almoço para o dia seguinte, complementado por um cineminha, ou quem sabe um local onde tivesse uma musiquinha suave. Assim, foi. No dia seguinte depois de um farto almoço, depois do cinema, terminaram no cabaré Brasil Dourado, o mesmo da noite anterior.

Assim foram os dias subseqüentes. Cada dia ou a cada noite, um programa diferente. Era raro o dia em que não se falavam por telefone. Cada telefonema durava em média mais de duas horas. Depois passaram a se encontrar diariamente. Foi nascendo entre eles uma necessidade constante de trocarem confidências. Daí para a paixão desenfreada foi um pulo. A verdade era que Ricardo renascera com aquele inesperado e novo amor em sua vida.

Tudo caminhava para um desfecho natural. Resolveram juntar seus trapinhos. Acertaram todos os detalhes. Combinaram que no dia seguinte, Ricardo mudaria definitivamente para o apartamento de Abigail.

Naquela noite, no silêncio no seu quarto, Ricardo começou a pensar na vida em comum que teria com o seu novo amor. Vieram à tona, certas lembranças do seu primeiro casamento. Na sua imaginação começou a idealizar o rosto da amada, cheio de cremes. Os cabelos presos por papelotes. Anteviu a mulher falando sem parar, reclamando por qualquer insignificância como cinza no tapete, creme dental espalhado pela pia, roupa largada pela casa. Banheiro molhado após o banho. Da falta de dinheiro para adquir bens materiais e etc...

Então tomou uma decisão. Rapidamente arrumou a mala e apressadamente, tomou o primeiro que táxi que surgiu e rumou para a rodoviária. Lá nem quis saber para onde ia o coletivo. Entrou no primeiro ônibus e partiu rumo ao desconhecido. Em dado momento gritou para os passageiros:

_ “Eu não sou passarinho para fugir de uma gaiola para cair em outra. Casamento nunca mais. Uma vida a dois, nunca mais.

Ninguém entendeu nada e nem podia.

Gama gantois
Enviado por Gama gantois em 22/11/2015
Reeditado em 10/02/2016
Código do texto: T5457548
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