OS TRÊS IRMÃOS.
Os TRÊS IRMÃOS.
Gama Gantois.
Era sempre assim. Quando o sol declinava na linha do horizonte e os pássaros buscavam abrigo nos galhos das árvores lá vinham eles. Nada os impediam de visitar seu irmão internado no CTI do hospital. Não falhavam um dia. Subiam a alameda do hospital vagarosamente, sempre conversando em voz baixa, como se estivessem fazendo uma prece. Chegavam à recepção cumprimentavam a todos e ficavam aguardando a liberação da visita para CTI. Um deles, o menos falante, era ligeiramente mais moço. Era alto, magro, moreno claro, bem apessoado. Outro, mais conversador era mais baixo pouco coisa e apresentava no rosto os primeiros sinais das rugas. Mantinha sempre seus olhos no infinito, como a buscar algo ou alguma coisa, ao contrário do outro sempre atento das coisas que ocorriam a sua volta.
Quando chegavam á UTI, o que parecia mais moço lavava muito bem as mãos, conforme era recomendado pelos médicos, calçava luvas, se dirigia ao leito do irmão. Examinava atentamente a aparelhagem que mantinha o paciente vivo, comentava algo com outro irmão, ficando alguns minutos em silêncio, como se tivesse observando o paciente. A seguir falava alguma coisa em voz baixa. Depois, ambos tiravam do bolso estampas de Santo e começavam a rezar. Eu, enfermeira chefe, a tudo observava com curiosidade e confesso, admirava a fé e o amor daquelas pessoas. Havia neles não sei o quê de misterioso e sublime ao mesmo tempo. Eles imanavam uma paz, de espírito inexplicável. Disse uma colega, certa ocasião que eles transpiravam uma luminosidade fora do comum. Mas, ninguém deu bola, muito menos eu, pois, que minha amiga era ela espírita Kardecista de carteirinha, e eu não acredito nessas bobagens. Na verdade, depois de alguns anos trabalhando na UTI, a gente se torna bastante descrente. Para mim tudo não passa de uma farsa. A humanidade precisa de uma esperança de que a vida continua após a morte. Que nada acabou. Se não for assim, a vida perde o sentido. Tudo é falso. O amor, as realizações, as vitórias. Se vamos morrer porque tenho que ser bom? Porque tenho que fazer caridade?Todos os valores morais e éticos da humanidade vão ladeira abaixo. Por isso, inventaram a religião. Criaram um Ser do universo e outras bobagens para travar os sentimentos malignos que habitam em nós. Para mim, nascemos, vivemos, morremos e quando baixamos a sepultura acabou. È o fim. Por isso, admirava a fé daqueles dois irmãos. Eles rezavam tão contritos que inspiravam penas e admiração ao mesmo tempo.
Depois das orações, os irmãos permaneciam ali, ao pé do leito, calados, imóveis até achegada do médico de plantão, pois, era hábito do hospital, que os médicos informassem aos familiares o estado de saúde do paciente. Eles conversavam bastante principalmente o que parecia ser mais moço, Depois de informados do estado de saúde irmão, saiam sem antes fazer o sinal da cruz, e refaziam o mesmo caminho de volta. Nunca ninguém os vira pegar um carro, ou mesmo um táxi. Desapareciam na curva da rua. Provavelmente moravam nas redondezas. Uma curiosidade que chamava atenção era que estavam sempre vestidos com a mesma roupa, não mudavam nunca. Como eram religiosos, talvez fosse uma espécie de promessa, pois não tinham aparência de serem pobres, muito pelo contrário.
Muito se especulavam da atitude daqueles homens Eram bastante carinhosos com o doente. Falavam de amor ao ouvido do internado, acarinhava o rosto, sempre dizendo que ele ia ficar bom. Às vezes o paciente abria os olhos e sorria para eles, o que os enchia de esperança. Outras vezes, nem via e nem sentia suas presença, o que toldava seus rostos de imensas tristezas. Eram, aliás, as únicas pessoas que visitava aquele paciente.
Nós, médicos e enfermeiras, davam uma atenção especial a aquele doente justamente por causa dos visitantes. Todos os funcionários torciam pelo restabelecimento do seu Luis Henrique, era esse o nome enfermo, no entanto, os médicos não garantiam a cura, a não ser o irmão que parecia ser o mais novo dos três. Este, sempre acreditou no restabelecimento paciente, era um homem de fé ilimitada.
Assim, os dias foram passando e os irmãos sempre presentes. Certo dia, ao amanhecer uma surpresa me aguardava Quando cheguei a UTI, seu Luiz Henrique tinha saído do coma. Estava esperto, falante e até risonho. Não estava mais ligado a nenhum aparelho. Fora um verdadeiro milagre. Todos nós só pensávamos numa coisa. Na alegria dos irmãos quando vissem a melhora do seu Luiz Henrique. A expectativa era enorme. Naquele dia, porém, houve uma enorme frustração. Os irmãos não compareceram. Pela primeira vez, em quase dois meses, aquele foi o primeiro dia em que falharam justo aquele dia. Algo de muito sério deve ter acontecido! Não tem importância. Amanhã eles virão com certeza. No dia seguinte, ocorreu o mesmo fato. Os irmãos não foram. Nunca mais apareceram.
Seu Luiz Henrique foi melhorando. Da UTI passou para o quarto, agora sempre sozinho. O que era estranho é que jamais perguntou pelos irmãos, era como se eles não existissem. No dia da alta. Quando arrumava suas coisas na mala vi um retrato onde havia três figuras. Não pude deixar de olhar. O que vi me assustou. Bastante nervosa perguntei ao senhor Luiz Henrique de quem era aquelas fotos. Luiz Henrique abriu seus imensos olhos, por onde desciam grossas lágrimas, disse com voz embargada:
- Este aqui disse apontando para uma foto é Pedro Henrique, brilhante advogado. E este outro é Paulo Henrique. De nós três foi o que mais trabalho deu a nossa mãe. Mas, depois tomou juízo, formou-se medicina, tornando-se um excelente médico. Ambos foram chamados tão cedo pelo Pai. Foi uma fatalidade.
- O senhor está brincando! Durante seu estado comatoso, eles o visitaram por dois meses seguidos sem faltar um dia. Vinham falavam com senhor, rezavam conversavam com os médicos sobre seu estado de saúde, e depois iam embora.
_ Impossível! Eles estão mortos há vinte – cinco anos. Foi uma fatalidade, uma triste fatalidade.
. Éramos três, irmãos bastante unidos. Amávamos-nos muito. Eu Luiz Henrique, o mais velho, Pedro Henrique, o do meio advogado, e o caçula Paulo Henrique, médico, aliás, um excelente médico. Havia uma diferença de idade entre nós de 03 anos. Morávamos todos na mesma casa, com os nossos pais. Com o passar do tempo nossos parentes e amigos foram morrendo. Primeiro nosso pai, a seguir nossa mãe. Foi um choque para todos nós. A dor nos aproximou ainda mais. Fizemos um pacto de não abandonar o outro Nos ajudávamos mutuamente. Nos momentos mais cruciais de nossas vidas, lá estávamos nós. Um ajudando outro, por isso, nunca mais nos separamos. Nossas mulheres moravam em casas separadas. E assim fomos vivendo. Certo dia, meus irmãos tiraram férias e resolveram ir até a Bahia, terra de nossa avó, que falava maravilhas de sua terra natal. Eu ia, mas, a última hora um imprevisto me impediu de acompanhá-los. Meus irmãos foram com suas mulheres e na volta, um terrível desastre os matou, só se salvando as cunhadas, por um desses caprichos inexplicáveis. Foi um choque. Mas, isto foi há mais de 25 anos, mas, não me esqueço deles. Todos os dois têm missa em seus aniversários natalícios e de morte e velas todas as segundas- feiras. Pode parecer macabro, mais nos aniversários comemoramos juntos. Faço sempre um brinde desejando luz eterna e paz para eles.
Saí do quarto abaladíssima. Uma coisa aprendi. A vida não acaba com a morte. Somos apenas passageiros, nesse planeta chamado terra.