Jactâncias de um farinheiro
Imperial, o farinheiro reinava ali naquela mesa de jantar da casa de vovó.
Feito de alumínio e embora opaco, era um brilho só. Panela, caçarola ou caldeirão que o cercasse tinha que ser submissivo e com duração limitada a um máximo de duas vezes ao dia.
E, sobranceiro, farinheiro, ele reinava. Do centro da mesa tirá-lo, ninguém ousava. Pratos esmaltados, ou por vezes, de louça, se punham à sua volta em obsequiosa continência. E dele, então partia a colheral benemerência.
Um bule até se aproximava, mas com ele não bolia. E o café só dura até que esfria, e se acaba molhando a biscoitaria, ou algum bolo que ali surgia. Da prateleira é que lhe vinham os olhares mais cobiçosos, lânguidos e silenciosos, das latas de mantimentos até a cafeteira, já havia muito substituída, mas se posando altaneira. Mais esquecido ainda vivia o almofariz, de bronze, rimando com onze, contudo já dezfeliz.
E seu momento mais solene, indene, o farinheiro vivia quando, por vezes pela noite, em meio à boa prosa, em atitude generosa, tia Isabel - que o Pai recebeu no céu - resolvia nos mimosear com sua carne de panela, muciça, dizia ela, e quando o garfo, ansioso a espetava, invariavelmente falava, mansinha: molha ela na farinha!