Uma flor para a sepultura

Seth achava estranho ela não está do seu lado, pois nas noites anteriores ela era sua companhia constante e gostava da série mais que ele. Era realmente estranho ela se preocupar com o jantar logo na noite do último capítulo. O rapaz acreditava que talvez esse comportamento da esposa fosse motivado pela presença de Darek.

Darek era o melhor amigo dele. Os dois eram amigos desde quando ambos ainda eram crianças. E essa amizade durou até a idade adulta. Seth confiava totalmente no amigo, mesmo com Cassie dizendo que tinha uma certa desconfiança de Darek. Seth acreditava que o comportamento da esposa se devia a ciúmes e não ligava muito.

Seth foi tirado de seus pensamentos quando as cenas finais do episódio começaram. As cenas mostravam um de seus personagens preferidos sendo atacado por seus próprios companheiros e amigos. A cena final mostrou o personagem no chão e os outros indo embora com as facas ainda nas mãos.

- Se ele tivesse ouvido a Mel talvez não tivesse sido esfaqueado - comentou Cassie da porta da cozinha - Ela avisou ele para que tivesse cuidado com os inimigos disfarçados de amigos. Na história original que deu origem a série ela até avisou para que ele manter sempre o seu animal de estimação perto dele, para caso de perigo. O problema dos homens é que eles não escutam as mulheres.

Darek riu como se Cassie tivesse contado uma piada das mais engraçadas.

- Qual é a graça? - perguntou Seth de forma divertida para o amigo.

- Nada. É que a Cassandra falou como se o personagem fosse real. É apenas ficção e nada mais.- falou Darek.

- Os personagens podem até serem fantasia, mas a traição vinda dos amigos é bem real. - respondeu Cassie antes de voltar para a cozinha.

Um silêncio se instalou na casa. Os únicos barulhos ouvidos eram os de Cassie cortando os legumes e os vindo do celular de Darek.

-Estou vendo aqui no facebook que teve um lugar que fizeram até um memorial, acenderam velas e levaram flores para o personagem morto! - falou Darek rindo, quebrando o silêncio.

-Nossa. Tem gente que exagera também. - respondeu Seth rindo também- Esse negócio de memorial e velas me deixou até chateado.

-Porque?

- Porque tenho certeza que quando morrer não vou ser lembrado desse jeito. Se bobear ninguém vai acender uma vela por mim ou levar uma flor para minha sepultura.

- Não fique chateado, prometo que irei acender uma vela por você e que irei levar a flor mais bonita para a sua sepultura.

- Você é um bom amigo. - respondeu Seth sorrindo - Prometo que também irei fazer o mesmo por você.

-É bom mesmo.- falou Darek em tom brincalhão estendendo um embrulho para Seth - Tome. Antes que me esqueça trouxe isso para você.

- O que é isso?

- Um presente. Eu ia lhe entregar logo que cheguei, mas vi que você estava vendo sua série e resolvi esperar acabar.

Seth abriu com cuidado e viu que se tratava de um casaco de um bom tecido. Ele agradeceu e perguntou o porque do presente, pois Darek não era de dá presentes fora de época. Seu amigo apenas sorriu e disse que quando viu o casaco se lembrou dele e achou que seria uma boa ideia o comprar.

Seth sorriu e agradeceu. Darek era tão gentil com ele. Não conseguia entender o porque de sua esposa não gostar muito dele.

*

Enquanto Cassie limpava a casa pensava em como ela nunca havia confiado em Darek. Para a mulher havia algo de oculto por trás dos sorrisos e das gentilezas dele. Mesmo sabendo que ele e seu marido tinham uma amizade de anos não conseguia confiar nele como Seth confiava.

A mulher achava que talvez essa desconfiança tenha surgido devido a forma como Darek olhava para as coisas da casa deles. Cassie sentia que ele olhava não de uma forma normal, mas de uma forma como se desejasse tudo. Essa desconfiança apenas aumentou devido a forma que Darek olhava para ela.

Cassie sabia que muitas vezes as mulheres conseguem ver o que os homens não conseguem. O olfato feminino, diferente do masculino, consegue sentir o cheiro de falsidade a distância. Talvez por isso seu marido não desconfiasse do seu amigo.

Logo que viu o presente ela desconfiou de algo. Sentiu que algo não estava certo e na primeira vez que tocou no casaco sentiu um estranho calafrio. Todavia não teve coragem de dizer isso ao marido que ficou tão feliz com o presente. Ele passou a usar o casaco no dia seguinte e desde então sempre ia trabalhar com ele.

Nos primeiros dias após a entrega do presente Cassie esperou que ocorresse algo. Ela não sabia ao certo o que, mas esperava que algo ocorresse . Como nada de errado havia ocorrido ela achou que o casaco foi apenas um presente, mas mesmo assim ela ainda desconfiava de Darek.

A mulher ao acabar a limpeza da casa olhou para o relógio. Era quase sete da noite. Logo mais seu marido iria chegar do trabalho. Ela se sentou no sofá para o esperar.

Cassie pegou o controle e ligou a televisão. O silêncio a incomodava. Ela foi mudando os canais de forma entediada. Ela parou por alguns minutos em um filme que ela havia visto várias vezes quando criança. Era uma animação que contava a história de uma menina que embarcava para um mundo mágico. Cassie podia ter amado o filme quando criança, mas agora adulta o achou entediante e logo mudou de canal.

A mulher parou um pouco, mas só um pouco, em um jornal daqueles sensacionalistas que tem aos montes na televisão. Cassie não gostava de ver esse tipo de jornal, principalmente quando seu marido estava fora de casa. Todas aquelas notícias de mortes e crimes violentos a faziam temer pelo marido que estava fora e ter medo até de atravessar a rua.

Quando passou por certo canal viu que estavam reprisando o último capítulo da série que seu marido e ela haviam visto há uma semana. No momento em que ela parou no canal estava exatamente na triste cena final. De alguma forma ver esse cena a fez se lembrar do casaco que foi entregue no mesmo dia do último capítulo. Por isso ela também mudou desse canal. No fim Cassie acabou deixando em um canal religioso, alguma coisa na pregação lhe chamou a atenção.

Seth chegou tarde naquele dia. Ele justificou o atraso dizendo que estava com muita dor de cabeça e que teve que parar para comprar um remédio. Cassie ficou preocupada e o abraçou. Ele disse que não haviam motivos para ela se preocupar.

Mas ele estava enganado. De alguma forma Seth piorou nos dias que se seguiram. A cada dia ele ficava mais fraco e para piorar os médicos pareciam não poder fazer nada para o ajudar.

Cassie desconfiava do casaco. Ela não sabia como, mas tudo que ocorria com o marido era culpa daquele maldito casaco. Ela um dia até comentou com Seth sobre o casaco:

- Acho que tem alguma coisa errada com esse casaco. Você adoeceu depois que passou a usar ele. Acho melhor a gente o queimar.

- Pare com isso. Isso é apenas coisa da sua cabeça.- falou Seth com uma voz fraca, a doença o estava enfraquecendo - Eu sei que você nunca gostou do Darek, mas o acusar assim já é demais.

Ela ainda tentou falar com o marido mais algumas vezes, todavia não adiantava. O marido parecia cego. Ele se iludia com as visitas que Darek sempre fazia e com suas palavras gentis.

Em uma das noites que dormiu no hospital para cuidar do marido Cassie teve um sonho estranho. Sonhou que estava de volta aquele dia em que o marido ganhou o casaco, porém no sonho o que Darek dava ao marido era um sapo e não um casaco. Um sapo bem feio por sinal.

A mulher acordou suando frio e sentiu uma necessidade de ir pegar o casaco. E foi o que fez. Ela também pegou uma tesoura emprestada na recepção do hospital e esmigalhou o casaco todo. Aproveitando que seu marido estava dormindo.

Quando ela cortou uma parte do forro do casaco sentiu que algo caiu de dentro. Ela se ajoelhou e viu que se tratava de uma pequena rã mumificada. Mas quando foi tocar o pequeno animal sumiu diante de seus olhos. Um calafrio percorreu seu corpo.

- O que você está fazendo? - perguntou Seth com uma voz quase irritada

Cassie disse:

- Tem algo de errado com o casaco. Tem alguma. Não sei explicar. Tem algo maligno nele.

Seth não disse nada.

- Você não acredita em mim, né? Vocês nunca acreditam. Mas eu vou buscar a ajuda que precisamos e você vai ver que tenho razão.

*

Darek sabia que logo Seth morreria. Por isso estava pensando em que tipo de flor colocaria na sepultura dele. Ele havia prometido que faria isso no mesmo dia em que entregou o casaco para ele.

Lembrar de como foi fácil enganar Seth fazia Darek ter vontade de rir.Mesmo depois de ficar doente ele não desconfiou do casaco e nem dele.

Isso também fez Darek pensar em como as histórias de traição são sempre as mesmas, tanto na ficção como na vida, apenas mudam as épocas e os personagens. Em todas as história a traição sempre vem de pessoas próximas, pois somente é possível atingir quem está próximo. Outro fato comum que pode ser observado em algumas histórias é que sempre aparece alguém para alertar a pessoa da traição, mas esta geralmente não dá ouvidos até ser tarde demais.

Foi assim com a vizinha de Darek, durante a sua juventude. A mulher tinha uma forte amizade com um rapaz mais novo e depois de um tempo eles viraram um casal e passaram a morar juntos. Eles pareciam ser um casal feliz. Essa imagem durou até o dia em que acharam o corpo da vizinha e repararam que o rapaz havia fugido com toda dinheiro da senhora.

Darek nunca vai esquecer que quando foi de curioso ver o corpo da mulher viu uma senhora chorando na frente da casa. Era a irmã da falecida. Ela repetia sem parar:

- Eu avisei ela, mas ela não me ouviu.

Darek tinha certeza que Casssandra havia alertado Seth sobre o casaco. Assim como também tinha certeza que Seth não havia ouvido. Eles nunca escutam.

Quando pensavam em um motivo para ter feito o que fez, Darek pensava que um deles era o fato de Seth ter sido mais bem sucedido que ele. Isso não era justo. Todavia ele poderia conviver com isso. O maior motivo era Cassandra, ou melhor, Cassie.

Ele gostou da Cassie desde a primeira vez que a viu. Para ele era impossível não gostar da bela mulher. Matar Seth era uma forma de a fazer sofrer por não ter se interessado por ele. A morte é sempre pior para quem fica.

Darek sabia que Cassie era bem mais inteligente que o marido. Tanto que ela tentava se manter o mais distante possível dele e reparou nos seus olhares desde a primeira vez.

- Se o Seth tivesse ouvido a Cassie talvez estivesse bem. Mas como ela mesma disse, os homens nunca escutam suas mulheres. - falou ele por fim ao chegar a conclusão que colocaria flores vermelhas, da mesma cor que os cabelos de Cassie.

Darek ainda estava pensando nisso quando sentiu uma súbita pontada no coração e ao olhar para trás viu um vulto lhe encarando. Quando viu o vulto teve a certeza que de alguma forma o trabalho que ele havia feito para se livrar de Seth havia dado errado e que se não fizesse algo no fim quem ia se dá mal era ele.

Por dias tentou renovar o trabalho, mas não funcionava mais e o vulto parecia cada dia mais perto dele. O vulto parecia irritado por ser mandado tantas vezes para fazer o mal e por fim acabou caindo com toda fúria sobre Darek.

A maldade de alguma forma sempre volta para quem manda.

*

Cassie queria apenas queria salvar seu marido. Apesar de tudo não era seu desejo que Darek morresse. Mas ele escolheu seu próprio caminho quando plantou a semente do mal. Quem planta o mal não pode colher o bem. Deus é justo.

Enquanto olhava o marido com a flor na mão, Cassie pensava em como Deus havia curado seu marido. De dentro para fora. Tanto que apesar de tudo Seth não sentia ódio e nem rancor. Não se pode combater o ódio com mais ódio.

-Prometi que traria uma flor para a sepultura dele... - falou Seth com a voz triste ao voltar do túmulo de seu ex- amigo. - Coloquei uma flor branca... Porque é cor da paz e do perdão...

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 18/11/2015
Reeditado em 19/11/2015
Código do texto: T5453407
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