Um triste Destino
Um Triste Destino.
Gama Gantois.
Era sempre assim. Todos os dias, Carlinhos um guri de oito anos de idade mais aparentando seis, descia o morro para ganhar a vida no asfalto. Vendia balas e amendoins, nos sinais de trânsito. Seu fornecedor de mercadorias era um homem, que deveria ter aproximadamente, quarenta de idade na verdade, um explorador do trabalho infantil. Esse cidadão, conhecido pela alcunha de Tonhão, explorava o trabalho de mais de vinte menores. Todos oriundos da camada mais pobre da população.
Ao findar a jornada de trabalho de mais de doze horas, todos os garotos eram obrigados a entregar ao espertalhão noventa e cinco por cento do ganho do dia. Mesmo não ganhando quase nada, a criançada aceitava aquela situação por que aquele dinheiro ajudava em muito o orçamento doméstico. Na prática estava configurado um costume muito utilizado no regime capitalista, onde todos os trabalhadores são obrigados a entregar ao patrão parte do produto do seu trabalho. A isto Carl Marx chamou de MAIS VALIA.
Acontece que Carlinhos acalentava um sonho. Era um sonho simples, aliás, dever do Estado. Carlinhos tinha uma enorme vontade de estudar, de freqüentar a escola que existia na sua comunidade. Era uma escola espaçosa, de linhas arrojadas, bem modernas elogiada por todos que a conheciam e que o povo tinha carinhosamente apelidado de Brizolão. Por questões meramente políticas os governos posteriores não deram continuidade à expansão dos Centros Integrados da Escola Pública, e sendo assim, Carlinhos nunca conseguiu se matricular na escola dos seus sonhos. No entanto, sonhar não custa nada e o pobre menino continuava lutando pelo seu devaneio. Não havia um único dia que ele não ia a escola pedir uma vaga. A teimosia faz parte da sobrevivência das pessoas pobres.
Certo dia ao chega a casa depois de um dia estafante de trabalho, soube que seu pai fora vítima da política totalmente equivocada do Governo Federal, que resolveu abrir o nosso mercado ao capital externo em vez de fortalecer a nossa combalida indústria. Sem mercado consumidor interno, várias empresas foram obrigadas a fecharem as suas portas, jogando milhares de trabalhadores no olho da rua, entre os quais se inclui o pai do nosso personagem. A situação da família economicamente se agravara profundamente. A única fonte de renda estável, não existia mais, restando apenas o trabalho da mãe, como faxineira e o do filho para sustentar a família. Era muito crítica a situação financeira daquela gente.
Certo dia, quando Carlinhos seguia para o trabalho, foi abordado pelo gerente do tráfico que sabedor das dificuldades financeiras da sua família, lhe ofereceu emprego. Segundo o gerente, seu trabalho consistia em ficar vigiando a entrada da favela e sinalizar com foguete, ao primeiro sinal da presença da polícia ou de intruso. Segundo suas próprias palavras, era trabalho de grande responsabilidade e de um imenso futuro, já que era emprego de carreira. O salário era excelente. Para começar ganharia R$ 450,00 semanais. Se fosse aprovado depois do período de experiência, passaria a ganhar R$600,00 semanais, além do poder e do respeito que teria de toda a comunidade.
Carlinhos ficou de responder mais tarde. Na verdade ficou bastante balançado já que aquele dinheiro poderia resolver todas as dificuldades da família. Porém o grande problema era o depois. Entrar no crime era fácil, já sair... De mais a mais, ele tinha outra ambição na vida. Queria vencer com honra, com dignidade. Além do que, sua índole não permitia que ele fizesse parte do crime organizado. Assim pensando, só tinha não como resposta a dar a aqueles criminosos. Jamais seria bandido. Carlinhos conseguiu vencer a tentação. Voltou a sua vidinha simples de vendedor de balas e amendoins nos sinais de trânsito da nossa cidade, i sem, contudo, abandonar o sonho de um dia vir a fazer parte do corpo discente da Escola Pública, da comunidade. De tanto perseguir essa quimera, um dia conseguiu a tão sonhada vaga na escola. Finalmente iria estudar e quem sabe, um dia, vir a ser doutor. Salvar vidas, minorar os sofrimentos daqueles que sofrem. Curar os males dos seus semelhantes. Felicidade seu nome é Carlos, ou melhor, Carlinhos. No meio de tanta felicidade surgiram as primeiras dificuldades. Não havia dinheiro para compra de livros, cadernos e uniformes. Carlinhos desconhecia que graças á visão de Estadista do governador e da sua eterna preocupação com a educação, o C.I.E.P.S. se encarregava de fornecer todos os materiais necessários.
Carlinhos estava preste a realizar o seu grande sonho. Na véspera do início do ano letivo, o garoto viveu a noite mais longa da sua existência. Na sua imaginação idealizou a sua sala de aula, a professora, os colegas. O pirralho estava eufórico, não via à hora em poder pisar o solo sagrado da escola.
Finalmente raiou o dia. Ansioso o nosso personagem vestiu rapidamente o uniforme, pegou os livros e cadernos, pediu a benção aos pais, e partiu alegre e com esperança rumo a um novo dia. Começava ali uma nova história de vida. Quando estava chegando à porta principal, estava acontecendo um confronto entre os bandidos e a polícia. Aturdido e surpreendido pelo tiroteio, o garoto postou-se na linha de tiros paralisado pela surpresa e pelo medo. Não se sabe de onde nem tampouco de onde partiu, Carlinhos foi atingido mortalmente por uma bala perdida. Quando tudo terminou lá estava estendido no chão, o corpo da criança sem vida, na porta do sonho. Morreu quando estava a um passo da felicidade. Ali morria um pouco o futuro do Brasil.
À noite as televisões noticiaram a morte de um guri possivelmente ligado ao comércio de drogas, para horror da classe média, que dali a pouco assistia a sua novela favorita, num canal reacionário, demonstrando uma insensibilidade sem medida. Ninguém notou ninguém morou que ali diante daquela cena todos nós, povo brasileiro de verdade, morríamos um pouco. Naquele instante estava decretada a falência da nossa sociedade, da nossa capacidade de nos indignarmos diante de tanto desprezo pelos sonhos e pela vida alheia.