O Casamento
Histórias que meu pai contava…
A gente morava na roça. Como não havia luz elétrica e o lampião a gás ainda não havia chegado, as noites eram quase sempre a família na sala, envolta de uma lamparina a querosene, com sua chama em movimento por causa de algum vento que ali entrava. Mas tinha noites que a gente se sentava num pranchão de madeira, na porta da varanda e ficava contemplando o firmamento...
Algumas vezes as noites eram totalmente escuras, outras nem tanto - tinha o Céu salpicado de estrelas – e em outras a lua comparecia, dando um ar de romantismo.
O silêncio em derredor trazia um ar de quietude, vez por outra era cortado pelo canto de um curiango ou o uivar de um cão ou ainda, pelo grito de algum caminheiro a transitar por alguns daqueles caminhos que cortava aquele sertão.
Nos períodos de chuvas, especialmente nos meses de dezembro e janeiro, era muito comum ter a companhia dos vaga-lumes, que dava um toque de rara beleza com suas luzes cintilante, nas noites escuras e eu adorava pegar alguns e colocar dentro de um vidro transparente, depois soltava.
Meu pai gostava de contar histórias, causos, passagens, etc. Apesar dele não tere tido estudo, era muito conhecedor das coisas da vida e de muita sabedoria também.
Minha mãe estava sempre presente, mas era de falar pouco.
Eu adorava deitar de costas naquele pranchão, camisa de botão – naquele tempo não havia as camisas de malha - aberta ao peito e com a cabeça no colo da minha mãe, que ficava fazendo cafuné. Vez por outra, eu acabava adormecendo, embalado por aqueles toques magistrais, que só os dedos de uma mãe sabem fazer.
Vamos a um dos causos...
Existia um fazendeiro muito rico e importante na região que tinha uma filha que era uma formosura, a mais bela moça da região.
Como se sabe, naquele tempo, os casamentos eram quase que em sua maioria arranjados; de conveniência, principalmente para a vontade do pai, em manter ou aumentar o poder, o prestígio. Assim, era muito comum, procurar alguém de muitos dotes e de família tradicional para casar os filhos.
Alguns até ficavam conhecendo sua noiva no dia do casamento, pois nas raras vezes que se encontravam elas tinham o rosto coberto com um véu.
Apareceu um jovem vaqueiro pedindo emprego e o seu pai o contratou. Era um rapaz de semblante alegre, um pouco tímido, de vinte e poucos anos.
Certo dia, ao retornar do tanque onde fora buscar água, chegando em casa ela vê aquele rapaz a conversar com seu pai. Quando seus olhos se cruzaram, ela sentiu as pernas tremerem... eles sentiram que o amor nasceu para eles naquele instante. Sabia que era correspondida. Contentavam apenas em se ver de longe, já que sabia que a chances era quase nenhuma, seu pai jamais iria consentir.
Seu pai então disse: minha filha, você já completou 22 anos, já está na hora de casar. O filho primogênito de compadre Guilhermino é um bom partido e me fará muito gosto. Assim nossas famílias se unirão e ficaremos mais fortalecidos.
Mas eu não gosto dele – Respondeu a filha.
Besteira, o amor vem com o tempo – Respondeu o pai.
E assim, sem mais delongas, o pai marcou uma data, convidou a família do compadre, para um almoço. Na verdade, já estava tudo combinado entre eles. Foi apenas oficialização do noivado.
Depois de o compadre pedir a mão da moça para o seu filho e aceito, brindaram com uma dose de cachaça de umbu.
A moça não disse uma palavra, era visível sua tristeza.
Marcou-se a data do casamento para dali a 6 meses. E começaram os preparativos.
A moça mergulhou-se numa profunda tristeza, queixava com sua mãe, mas esta não tinha poder de influência sobre o marido e nem como se opor, era muito submissa.
Mas ela, menina corajosa e decidida, estava disposta a lutar pelo seu amor, que cada dia crescia mais em seu coração e começou a bolar um plano para sair daquela situação, mas dependeria do seu amado também – mas como ter certeza do amor dele, se nunca se falavam.
O vaqueiro por sua vez, ao saber do acontecimento por boca dos outros vaqueiros, se viu numa tristeza não menor do que a sua amada e resolveu que iria embora. Não iria aguentar ficar ali sabendo que sua amada iria casar com outro.
Encheu-se de coragem e foi falar com ela, mesmo sendo a primeira vez que iria lhe dirigir a palavra, mas sentia que ela nutria pro ele o mesmo sentimento, sentimento que viu nos olhos dela, naquele dia.
Esperou o momento que ela fosse pegar água no tanque e assim o procedeu. Quando ela viu ele se aproximar, quase não conseguiu ficar de pé.
Naquele instante foi que realmente se confessaram o amor que nutria pelo outro.
E ela disse: posso te pedir uma coisa?
O quê? – Perguntou ele.
Vai no meu casamento – Disse ela.
Só se for vestido de vaqueiro – Replicou ele.
Não tem importância – Disse ela.
E assim se despediram.
Foi chegado o dia do casamento, um acontecimento naquela vila...
Ele chegou, com suas vestes de vaqueiro e ficou em pé na porta da igreja.
Quando ela chegou, o viu ali... disfarçadamente virou o rosto em sua direção. Ela percebeu o seu olhar de tristeza.
Continuou sua caminhada rumo ao altar, de braços dados com o seu pai. Antes de subir ao altar ainda deu uma olhadinha para ver se ele continua na porta.
Iniciou-se o ritual do casamento...
Quando o padre perguntou para ela, se era de livre e espontânea vontade que estava ali ela respondeu: NÃO!
Foi um OH!!!....geral .
Não é da sua vontade? – Perguntou o padre.
Não – Afirmou ela.
A minha vontade é com aquele que está vestido de vaqueiro na porta.
O padre então, gritou do altar:
Entre vaqueiro...
O vaqueiro foi pego de surpresa, mas logo reagiu e foi adentrando pela igreja com o chapéu na mão. O tilintar das esporas rompia o silêncio fúnebre que se fizera no interior da igreja.
E assim procedeu-se o casamento dos dois.