O Número da Sorte
O NÚMERO DA SORTE.
Gama Gantois
Corria o ano de 1942. Floriano, um ex-cobrador de bonde, morava num palacete na Avenida Rui Barbosa, Rua nobre do bairro do Flamengo na cidade do Rio de Janeiro. Era com certeza a casa mais suntuosa da localidade. Não havia quem não a admirasse. A origem da sua fortuna era um mistério, que por razões óbvias, Floriano não revela para ninguém. Havia várias teorias para explicar a origem da sua riqueza.
Mas, tudo não passavam de especulações. O que se sabia de concreto era que chovesse ou fizesse sol, no dia finados lá ia Floriano rumo ao o cemitério São João Batista, trajando como sempre acontecia a mesma roupa. Um terno de panamá branco sapatos de verniz pretos, camisa de seda azul e gravata da mesma cor da camisa.
Dizem que cobria um túmulo de rosas vermelhas. Ninguém sabia a quem pertencia àquela sepultura. Alguns diziam ser de alguma paixão do passado. Outros de um grande amigo que teria a sua fortuna roubada por Floriano e agora ele arrependido tentava se redimir. A verdade era que tal túmulo era o mais bem enfeitado daquele Campo Santo. Esse era um ritual que Floriano fazia todos os anos e dele não abria mãos.
Todos desejavam saber a origem da imensa fortuna daquele homem. Como um cobrador de bonde da Light, podia ter ficado tão Rico?Algumas pessoas crédulas diziam que Floriano havia feito um pacto com o diabo. Outras, mais realistas afirmavam que a origem da sua fortuna foi proveniente de roubo quando trabalhava como cobrador. De cada
três passagens cobradas, apenas uma era para empresa, e duas para conta do cobrador.Foi assim que tinha enriquecido. Depois foi só investir o capital. Bons investimentos haviam multiplicado seus ganhos.
Essa era a hipótese mais aceita. Voz corrente em toda a cidade. O caso do Floriano já tinha merecido atenção especial de toda a mídia. Assim, tornou-se uma lenda. O fato real, concreto era de que Floriano esbanjava. Gastava a rodo. Sua fortuna não tinha fim. Quanto mais jogava o dinheiro pela janela mais dinheiro ganhava. Era visto todas as noites perambulando pelos cassinos da cidade. Era conhecidíssimo no cassino da Urca, onde se apresentavam os melhores artistas nacionais e internacionais.Seu Floriano era o terror da roleta,bacará ou de qualquer jogo em que se metesse, pois, jamais saia perdendo. Ganhava e ganhava muito.Depois saia pelos corredores da casa de jogo distribuindo polpudas gorjetas.
Coube ao destino nos aproximar. Por uma dessas coincidências inexplicáveis, uma noite ficamos lado a lado diante da roleta. Enquanto eu perdia uma soma considerável, ele ganhava verdadeiras fortunas. Meus amigos, aquela bolinha girando em busca de um número, exerce um fascínio assustador. Ela exerce um efeito hipnótico nos apostadores. Ao tempo que assusta, encanta. Ao mesmo tempo que leva o desespero nos corações dos jogadores, leva esperança. Talvez esteja aí nessas contradições todo o charme da roleta. O girar, tilintar da bolinha girando, girando aumenta a adrenalina. Num segundo estamos jogando a nossa vida. Depois vem ou a alegria ou a decepção. Ou vamos pro céu ou pro inferno.
Pois bem, estava eu nos dias de azar. Naqueles dias em que não se consegue ganhar nada. De repente ouvi do Floriano o conselho para que apostasse tudo no vermelho 38. Não sei bem porque acreditei. Joguei e ganhei. Quando me virei para agradecer, ele já havia sumido. Sou uma pessoa que cultua a gratidão. Gosto de agradecer a todas as pessoas que de certa forma tenham me ajudado. Para mim é ela, a gratidão, a maior virtude do ser humano. Assim o procurei por vários dias. Percorri todas as mesas de jogos sem, contudo, encontrá-lo. Depois de alguns dias de busca inútil, finalmente nos encontramos a mesa do bacará. Ao me ver ele se abriu num belo sorriso. Depois dos agradecimentos de praxe, o convidei para me fazer companhia durante a ceia. Naquela noite jantamos juntos. Aquele evento seria o inicial de muitos outros. Nasceu entre nós uma bela amizade, só terminada com a sua morte, algum tempo depois desse acontecimento
Alguns dias antes de fazer a passagem, ele me confidenciou o segredo da sua fortuna. Aliás, quero deixar aqui bem claro que nunca enquanto ele viveu eu quis saber como ficara milionário. A origem do seu dinheiro nunca me interessou. Nossa amizade era sincera, pura não havendo interesse maior em jogo
Então, como eu ia dizendo, alguns dias anteriores a sua morte ele me confidenciou o seguinte fato:
“- Era o dia dois de novembro de 1937, dia de finados. Como fazia todos os anos lá fui eu visitar o túmulo dos meus pais. Era um ritual que fazia sempre desde que eles se foram para eternidade. Naquela época vivia com muitas dificuldades, pois, ao contrário do que muita gente afirma, jamais roubei um centavo da Light. Ao chegar á porta do cemitério, queria levara algumas flores para enfeitar a sepultura dos meus entes queridos. Consultando a carteira verifiquei que a minha grana só dava para comprar três rosas. Ainda tentei encontrar flores mais baratas, mais as rosas naquele dia estavam pela hora da morte. Assim, sem alternativa, meti a mão no bolso e comprei o que podia. Apenas três rosas vermelhas. Quando caminhava entre as alamedas, ouvi uma voz quase em súplica implorando para que alguma alma caridosa colocasse ao menos uma flor em determinada sepultura. Sem saber bem porque resolvi caminhar na direção daquela voz. Então, vi uma senhora de cabeça bem branquinha, implorando aos passantes, que ignoravam aquele pedido. Ninguém estava interessado em colocar qualquer flor na sepultura do netinho,da senhora que suplicava aos passantes, já que ela por ser muito pobre não tinha um centavo sequer.
Penalizado com as lágrimas daquela boa velhinha eu coloquei as minhas três rosas, as únicas flores que possuía na sepultara do netinho dela. Foi então, que um fato surpreendente aconteceu. Aquela senhora se aproximando de mim disse quase num sussurro;
“Meu bom amigo. Por sua generosidade, pela sua compaixão, pelo seu desprendimento vou torná-lo o homem mais rico do Brasil. Você enquanto viver nadará em dinheiro, mas, terá que me prometer uma coisa. Enquanto viver terá que vir todos os anos, no dia finado, vestido com um terno branco, sapatos de verniz pretos, camisa de seda na cor azul, gravata da mesma cor, cobrir a sepultura do meu neto de rosas vermelhas. Promete? Eu prometi é claro sem acreditar muito no que a velha dizia. Foi então que ela me disse para comprar um bilhete cujo o milhar fosse 1951. Depois fosse ao cassino e jogasse sempre no vermelho 27. que eu ganharia uma fortuna pois, sempre que eu jogasse ela estaria ao meu lado sugerindo um número. Assim eu ganharia sempre. Não haveria a mínima possibilidade de perder .Sem acreditar muito, nas palavras da velha, segui a risca suas instruções. O resto você já sabe. Essa foi a verdadeira origem da minha fortuna.
È claro que a princípio não acreditei muito nessa história. E creio que você que está me lendo, também não está acreditando. Mas, algo aconteceu na minha vida que não sei como explicar. Você que se julga um ser racional, bem que poderia encontrar explicação racional para o fato que vou narrar nesse momento;
No primeiro dia de finados depois da morte do meu amigo Floriano fui visitá-lo no cemitério. Comprei três rosas vermelhas. Quando caminhava pela alameda, ouvi uma voz em tom de súplica que colocasse algumas flores no túmulo do seu netinho. Aproximei-me e depositei naquela sepultura, as únicas rosas que possuía.
Hoje sou uma das maiores fortunas do Rio de Janeiro. Quero nesse momento dar um conselho a você que está se preparando para visitar seus mortos no cemitério, nesse dia de finados. Ao ouvirem uma voz em tom de súplica pedindo para que coloquem uma flor em determinado túmulo, não perca tempo, pois a fortuna está a caminho. Você não acredita? Pior pra você, vai morrer pobre.