ONDE ESTÁ O PERU
ONDE ESTÁ O PERU?
GAMA GANTOIS
Era véspera de natal. Ariosto estava uma fera. Disparava sua raiva em todas as direções. Fora escolhido por sorteio, em sua opinião, de modo fraudulento, para encarnar a figura de Papai Noel, na noite de natal. Ariosto odiava a figura do bom velhinho. Tinha suas concepções sobre a figura do Papai Noel. Pra começar achava ridícula a sua roupa de um vermelho berrante, muito chamativa além de ser imprópria para o nosso clima tropical. Abominava suas risadas que só podiam ser proferidas por um velho imbecil, onde já se viu ficar o tempo todo ho, ho. Na verdade, era uma lenda importada do folclore europeu. Uma chatura e uma perda de tempo sem precedentes. Tinha quase certeza que Papai Noel era boiola. Que ainda o veríamos na parada gay. Para provar o que dizia espalhava pelos quatros cantos, que não havia a presença do sexo feminino na casa do velhinho bicha. Por essa razão é que a Mamãe Noel deu no pé. Prefere a companhia dos duendes, todos machos, a ter ao seu lado uma mulher. O seu meio de transporte é puxado por vários veados. Sei, não!Sei, não! Essa história está muito mal contada.
Além do mais, fora proibido pela sogra, dona Mafalda, chamada por ele de “bruxa malvada”, de participar da tradicional “pelada”, de fim de ano. O joguinho não teria nenhuma importância, se não fosse à exagerada quantidade de álcool ingerido durante a competição. Na verdade, o futebol era apenas um pretexto para justificar a “bebemoração” natalina. Todos os anos, Ariosto chegava a casa, com alto teor etílico no sangue. Exatamente devido aos exageros alcoólicos, dona Mafalda proibira o genro de participar do tradicional jogo de bola, onde os jogadores atuavam travestidos de mulheres e embriagados.
-Onde já se viu Papai Noel bêbado? Sentenciou a sogra de Ariosto.
Para falar a verdade, a sogrona era uma agregada daquela casa, mas, a última palavra sempre cabia a ela. Era autoritária, prepotente e a dona da verdade. O verdadeiro dono da casa, aquele que pagava todas as contas, aceitava aquela situação, com muita resignação, para evitar um choque com a sua esposa, a quem amava de coração. Além do mais, Mafalda era avó dos seus filhos Sua vida estava transformada num verdadeiro inferno, graças ao gênio horrível da "Bruxa Malvada"
Por tudo isso e mais alguma coisa Ariosto estava cuspindo maribondos amarelos. Se não bastassem aqueles momentos terríveis que estava vivendo, ainda teria de apanhar a roupa de Papai Noel, na casa do cunhado Arnaldão e pegar o peru que a sogra mandou assar para a ceia, na padaria do seu Manuel.
Saiu resmungando e maldizendo aquela fase da sua vida. Mentalmente xingou a sogra de todos os nomes feios conhecidos e desconhecidos Responsabilizou sua esposa como a grande culpada pela vinda da megera para a sua casa. Passou na residência do cunhado onde ouviu umas piadinhas, de muito mau gosto, pegou a roupa e para se vingar da gozação do cunhado, foi na geladeira e tomou três cervejas estupidamente geladas que Arnaldão, malocara para a ceia.
Saindo dali dirigiu-se a padaria, onde pegou o peru assado. Quando ia voltando para a sua residência, teve uma idéia.
- E se desse uma rápida passagem no local da ”pelada”, só para cumprimentar a rapaziada e se desculpar pela sua ausência?
Achou a idéia fantástica. Afinal, cumprira todas as tarefas e tinha o direito de curtir um pouco o natal. Aumentando os passos, pois a ansiedade era muito foi ao encontro dos amigos. Chegando lá, foi saudado efusivamente. Como estava sedento, foi logo pegando uma cervejinha gelada, consumida rapidamente com alegria e satisfação. Diante das insistências dos companheiros, não lhe restou alternativa a não ser entrar no jogo. Mas havia um pequeno probleminha. Não podia demorar muito, no máximo uns quinze minutos de bola, pois “a bruxa Malvada” estava esperando por ele, quer dizer, pelo peru assado.
Além do mais, não estava convenientemente vestido para participar da confraternização. Não tinha trazido a sua fantasia de jardineira. Foi então, que lhe foi sugerido que vestisse a roupa de Papai Noel. Ariosto com uma lata de cerveja na mão direita, e na esquerda, um copo de batida, não se fez de rogado. Em poucos minutos, lá estava o “bom velhinho”, na ponta direita de uns dos times. Naquela posição, julgava ser a encarnação do “Mané Garrincha”, ou melhor, em alguns aspectos muito “superiores”.
Ocorre o inesperado. Naquele dia os deuses do futebol resolveram premiar o nosso herói. Ariosto estava com a cachorra. Logo na primeira bola que pegou, driblou uma falsa baiana, jogou a bola entre as pernas de uma gorducha, bailarina, ganhou na corrida do zagueiro de peruca loira e meteu a redonda dentro das redes. Aplausos da galera e dos companheiros. Jogava tão bem que não percebeu o tempo passando. A cada cinco minutos de jogo, uma parada de trinta, para tomar uma loura gelada, acompanhada quase sempre por uma caipirinha no capricho. O tempo ia passando e Ariosto ficando. Quanto mais tempo permanecia na gandaia, aumentava a quantidade de álcool consumido. Lá pelas tantas, um bebum faminto descobriu o peru assado. Foi uma festa. Em pouco tempo só restava ossos. A ave foi consumida em menos de três minutos. Bebidos e alimentados resolveram dar um mergulho, para refrescar que ninguém é de ferro. Nesse momento, Ariosto recobrou por breve momento a consciência perdida e viu a besteira que fizera. Reuniu os amigos e contou o seu drama. Todos resolveram ajudá-lo. “Traçaram um plano “infalível” para livrar o amigo das garras da “megera”.
De posse do tal plano “infalível” como afirmavam, partiram para a guerra, ou melhor, para a casa do Ariosto. Foi uma cena hilária. Pela primeira vez na história dos natais, se viu um Papai Noel embriagado, fedorento, sujo e rasgado. Quando o grupo chegou encontrou dona Mafalda de plantão e pronta para soltar a borduna no genro, que foi salvo pelos amigos, naturalmente. Estes sem perda de tempo começaram a promover a maior balbúrdia de todos os tempos. Avançaram em direção da árvore de natal e começaram antes da hora, as distribuições dos presentes.
A velha Mafalda se esgoelava pela sala, sem nenhum resultado prático. Sua raiva era tanto que chegava a espumar. Em dado momento, Mafalda perguntou ao genro:
- Seu Ariosto você está com o peru ou não está? Onde está o peru?
- Ariosto rápido como um raio.
- O meu peru está onde sempre esteve minha sogra, desde o dia em que nasci. Nunca saiu do seu lugar isto eu posso provar. Que ver? Quanto ao seu eu não sei. Isto não é problema meu mas creio que ele está enterrado no Cemitério São João Batista, há bastante tempo. O riso foi geral. Querendo concertar as coisas e cada vez mais furiosa, Mafalda gritou no meio da sala:
-Seu moleque indecente. Eu estou falando do peru assado do seu Manuel, da padaria.
- Se o Peru do seu Manuel é assado eu também não sei. O meu querida sogrinha, è natural, a não ser que tenha sido assado, agora, lá na praia, hoje, mas, quero lhe dizer pra sua informação que não eu não sou homem de me preocupar com o peru dos outros, posto que sou facão isto eu garanto, mas se a minha querida sogrinha estiver precisando de algum, o meu está as ordens.Pronto foi quanto bastou. O pau comeu na casa de Noca, ou melhor, na casa do Ariosto. Disposta a salvar a sua honra, a “megera indomada” partiu para o cacete. Foi preciso três para segurar á velha.
A partir daquele dia todas as vezes que Mafalda palpitava na vida do genro, este fazia: glu, glu, imitando peru. A velha parava na hora. A paz reinou para sempre naquela casa.
Moral dessa história:
“A única pessoa capaz de domar uma sogra – megera é o Peru. Se sua sogra é megera, dê um Peru de presente para ela e seja feliz pelo resto da vida”