Amigas desde criancinha
Glória caminha com a filhota Nina pelo shopping quando escuta o seu nome num grito retumbante de alegria. Antes mesmo de se virar para trás para saber quem a chama com tanto entusiasmo, é detida com um abraço de urso dolorosamente amigável.
- Glorinha! Eu nem acreditei que fosse você, amiga!
Glória se vê esmagada no peito da amiga alta e desengonçada que a abraça. Dois beijinhos para cá, dois beijinhos para lá, e a amiga não lhe dá chance de falar absolutamente nada. Sua língua mais parece uma metralhadora giratória de alta potência, último tipo.
- Mas, assim que vi você, não tive dúvida: é a Glória, tenho certeza, pensei. Há quanto tempo, hein?! Ah, mas me conta, como vai você? Nossa, como a Nina cresceu!
A amiga de longa data se abaixa e aperta as bochechas da pré-adolescente, que não gosta nada do afago.
- Mas vem, vamos ali tomar um café porque quero saber tudo o que você fez durante todo este tempo.
- Sabe o que é? Temos dentista às...
- Não vai demorar nada. Vamos só tomar um café e deixar o papo em dia. Estou mo-rrrrreeeen-do de saudade! A última vez que te vi a Nina era um bebezinho, agora veja você: uma mocinha! Venha, vamos tomar um café, sim. – disse, arrastando mãe e filha para uma cafeteria ali perto.
- Mas me conta. Como está o Paulo?
- Ah, a gente se separou já faz uns cinco anos. E você?
- Ah, eu continuo aturando o Godofredo – diz, rindo de si mesma, Glória dá um sorriso por educação. – Não sei se ele é minha alma gêmea, tá mais para carma – garante, dando uma risada tão alta, que as pessoas que estão sentadas na cafeteria olham para a mesa de Glória, com curiosidade.
- Mas você e o Paulo ficaram amigos, né? Sim, porque marido a gente pode até se separar, mas pai dos nossos filhos é pro resto da vida, né não?
- Verdade. Você está certa. Mas e as crianças?
- Ah, o Wellington tá fazendo um curso no Senai de instalador hidráulico e já arrumou emprego. Tá bem. A Whemytta é que arrumou um menino e acabou ficando grávida, imagine você. Vou ser avó em três meses, você acredita? – diz, soltando outra gargalha que estremece a cafeteria.
- O nascimento de uma criança sempre traz alegria pra uma casa – filosofa Glória.
- Traz alegria, choro, fralda, remédio, gasto... – enumera, rindo – mas você está certa. Estou muito feliz com a minha netinha.
- Ah, é uma menina?
- Sim! Vai se chamar Valentina.
- Que nome lindo!
- Não fui eu que escolhi, foi a outra avó – diz, demonstrando despeito e ciúmes. – Por mim, a minha neta se chamaria Wheydja, um nome parecido com o da mãe, que é tão bonito. Você não acha?
- Claro! – diz Glória, tomando o café que o garçom trouxe.
- E como vão seus pais? Seu João ainda faz aqueles churrascos aos domingos?
- Continua sim, mas agora eles se mudaram. Compraram uma pequena chácara em Rio Claro, no interior.
- Ah, que beleza! Seu João e dona Matilde sempre diziam das maravilhas de ter uma roça.
- Verdade. E a sua mãe? E o seu pai?
- Você não lembra? Papai morreu alguns meses antes de você se casar com o Paulo.
- Morreu pra você, porque no meu coração ele será eterno – garante Glória, saindo pela tangente.
- Ah, amiga! Que lindo. – diz, fungando e assoando o nariz no guardanapo de papel que Glória lhe passou.
Glória se levanta e anuncia a necessidade de ir embora.
- Desculpe, minha querida! Mas nós temos que ir realmente. Adoreeeeiiii te reencontrar novamente. Me liga. Estou no mesmo número. Vamos marcar um almoço lá na chácara de papai. Tenho certeza de que eles vão adorar te ver.
- Vamos sim. Então vou ligar. Seu número continua no meu caderninho preto, lembra?
- Claro que lembro. Como poderia me esquecer do velho e surrado caderninho preto? – garante, rindo com cumplicidade.
As duas amigas se abraçam fraternalmente, jurando que um breve encontro aconteceria novamente, sem a menor sombra de dúvida.
Glória sai da cafeteria, arrastando Nina pelo shopping, apressadamente, quando a menina pergunta.
- Mãe, quem é esta mulher?
- Não faço a mínima ideia, minha filha!