João Ninguém
João Ninguém
Gama Gantois
Era natal. O espírito natalino descera a terra. Via-se nitidamente a
felicidade estampada nas fisionomias das pessoas:
- Feliz natal. Feliz natal.
João Ninguém era esse o nome pelo qual era conhecido, continuava sua triste vida de pedinte. Não tinha nada na vida. Nenhum parente ou amigo. Era só, absolutamente só.
Vivia da caridade pública. Dormia debaixo da primeira marquise que estivesse desocupada. Quando almoçava, não jantava, mas, não reclamava muito da vida. Havia sempre uma alma caridosa disposta a ajudar.
Aquele natal provavelmente não seria diferente. João Ninguém continuava andando sem rumo. Até que avistou uma linda vivenda, com portas e janelas verdes, cercada por um belo jardim. Era sem dúvida alguma um imóvel de posses. Acomodou-se defronte do palacete e ficou espiando a festa que rolava lá dentro. Algo estranho acontecia. Era como se já estivesse vivido aquele momento. Havia algo familiar naquela residência, naquelas pessoas. Estava mergulhado nesses pensamentos quando ouviu uma voz suave, estendendo-lhe as mãos a dizer-lhe:
- Meu filho, por que você não entra e não partilha conosco da nossa festa? Você é bem vindo.
Por mais que se esforçasse, não conseguia ver o rosto daquela senhora. Bem que tentou várias vezes, mas seu esforço foi em vão. Como um zumbi, seguiu aquela mulher até chegar à sala principal, onde, outras pessoas bebiam, comiam, dançavam. Sentindo-se um pouco envergonhado ficou afastado com receio de que alguém pudesse colocá-lo para fora, como era costume das pessoas ricas, que têm repugnância pelos pobres, como se pobreza fosse uma doença contagiosa. Logo percebeu que aquela gente era diferente. Que gostava das pessoas humildes. Então, foi se aproximando e em pouco tempo já estava plenamente integrado naquele ambiente. Sentia-se muitíssimo bem naquele lugar. Era como se fizesse parte daquela família sem, contudo, conhecê-los. João Ninguém estava eufórico. Jamais em toda sua vida tivera um natal tão lindo, tão maravilhoso, tão farto.
Comeu, bebeu como se fora à última ceia de um condenado. João Ninguém estava numa felicidade só.
Quando veio a madrugada, começou a se despedir daquela família tão simpática, tão boa, tão gentil. Ao se despedir da velha e boa senhora, ainda tentou ver o seu rosto. Tarefa impossível, pois, por mais que a olhasse não conseguia distinguir seus traços fisionômicos. Ao apertar sua mão esta lhe passou um bilhete com a seguinte recomendação: “Meu filho, abra este bilhete somente amanhã. Em hipótese alguma poderá abri-lo hoje. Que Deus o acompanhe. Muito breve estaremos juntos novamente”.
O sol já ia alto quando se levantou. Juntando os panos que lhe serviam de colchão, levou um susto quando olhando na direção da casa verde, viu em seu lugar um grandioso espigão. Esfregou os olhos várias vezes e não acreditava no que via. Onde está à casa da festa?
– Será que tudo não passou de um sonho? A primeira pessoa que passou perguntou pela casa verde. – Casa verde? – Meu amigo, moro nesta rua há mais de vinte anos e nunca vi neste local uma casa verde. O senhor deve ter son999999hado ou então bebeu muito vinho na noite de natal.
Não, não pode ter sido um sonho. Tudo foi muito real. Como posso explicar não estar sentindo fome a esta hora da manhã?
Pensativo, foi se afastando sem entender o que se passara, quando de repente, meteu a mão no bolso e encontrou um pedaço de papel. O mesmo papel que a boa senhora lhe entregara no dia da festa. Seu coração batia aceleradamente, suas mãos tremiam ao desenrolar o papelucho. Abriu e leu com emoção: “Feliz natal, meu filho. São os votos de sua mãe, irmãos, tios e tias”.
João Ninguém teve um infarto fulminante. Até hoje ninguém sabe a razão da sua morte.