Quarenta e cinco anos Depois

Quarenta e Cinco Anos Depois

Gama Gantois

Quarenta e Cinco anos Depois

Fazia um mau tempo dos diabos, no Rio de Janeiro. O aguaceiro desabara bem na hora da sua saída. O jeito era ficar em casa, e tentar fazer alguma coisa. Quem sabe, assistir a um bom programa de televisão, ou ler aquele livro desejado, mas, sempre deixado de lado, por falta de tempo.

A verdade é que uma noite chuvosa, sempre trás para um homem que vive só, a solidão. Esta nos leva ao passado. O passado nos leva a um mundo de recordações. As lembranças perdidas no passado quando voltam ao nosso presente, trazem um mundo de tristezas por que vêm quase sempre acompanhadas dos sonhos não realizados, e das nossas ilusões perdidas. Aurélio, nostálgico buscava um elo que ligasse a sua vida presente ao passado. Sentia uma enorme vontade de mergulhar no mundo mágico das recordações e da saudade. Nessas circunstâncias, não havia nada melhor do que rever o velho álbum de família para desempenhar esse papel Afinal, dizem que recordar é viver o mesmo momento duas vezes. Há muito que não abria aquele livro de fotografia. Cada foto era um pedaço da sua vida. Ali, naquelas páginas, estavam registrados histórias de um amor perdido, saudades dos entes queridos que partiram para um plano superior, recordações dos sonhos desfeitos ou mesmo lembranças amargas ou felizes. Tudo ali tinha vida, tinha emoção. Continuando a sua busca em torno do nada, seus olhos se fixaram detidamente na fotografia da única mulher que realmente amara em toda a sua vida: Leonor. Só então, depois dos longos anos passados, percebeu duas coisas: primeiro que os momentos realmente felizes da sua vida estavam contidos naquele pedaço de papel frio, desbotado pelo tempo, ao lado da mulher amada, registrando uma época de sonho e de fantasia. Segundo: Continuava amando aquela mulher como no primeiro dia em que seus lábios se tocaram pela primeira vez num beijo prolongado amor. Ao olhar aquele retrato sentiu a mesma emoção dos tempos idos. Então, concluiu que o seu amor era eterno. Leonor estava tão linda, tão etérea que nem parecia mulher, mas uma santa.

Envolvido pela atmosfera da saudade e da melancolia, não foi difícil voltar no tempo, recordando àqueles momentos ditosos. Ainda guardava na lembrança a maciez da pele da mulher amada, flutuando, em suas mãos. Sentia até hoje o sabor dos beijos trocados, embora esses beijos tivessem ocorrido há quarenta e cinco anos.

Hoje tinha certeza de que sua vida estava marcada por dois momentos inesquecíveis: Um quando foi ao céu, quando conheceu Leonor. O outro quando foi ao inferno quando a perdeu.

Aquele retrato foi do último carnaval em que passaram juntos. Foi um momento mágico. Um curto espaço de tempo de quimeras e devaneios. Um período em que construíram para ambos, um projeto de vida. Depois veio a dura noite da triste despedida. Enquanto os seus lábios murmuraram um até breve, o seu coração gritou por um nunca mais. Depois a estrada da vida conduziu cada um, por atalhos diferentes. Aurélio continuava recordando com muitas saudades os momentos vividos. Com a separação, continuou amando aquela mulher. Leonor era saudade que gostava de ter. Nunca mais se encontraram. Nunca mais se viram. No entanto, agora, gostaria de ter notícias suas. De saber que tipo de vida teria levado. Teria se casado? Teria filhos? Uma família? Será que foi amada da mesma forma, com a mesma força e perenidade do sentimento que dedicou a ela? Ele na verdade nunca a esqueceu. E ela? Será que esqueceu aquele amor? Será que ele nunca esteve presente em sua vida, nem por breves momentos? Seu coração começou a ficar apertado e a alma dilacerada. Sentiu uma vontade imensa de voltar ao passado. Emocionado não conseguiu segurar as lágrimas da que rolaram pelo seu rosto, como as águas da chuva na vidraça da sua janela.

Só poderia ter as respostas para as suas indagações, se a encontrasse. Se fosse ao seu encontro. Será possível trazer o passado de volta? Claro que não. O que se foi não volta mais. Além de tudo, lá se vão quarenta e cinco anos.

E para piorar a situação nada sabia a seu respeito. Não sabia o local de sua residência. Muito menos o seu nome atual. Provavelmente estava usando o sobrenome do marido e assim seria impossível encontrá-la. Não sabia nada de nada. Sua cabeça rejeitava esse plano louco, mas seu coração apaixonado, bem que acatava essa idéia doida. Mas como fazer? Por onde começar? Quem sabe a internet não lhe desse a resposta que tanto desejava? Não era tarefa fácil. Encontrar o seu nome Google, ligar e falar com ela, quarenta e cinco anos depois, è o mesmo que procurar uma agulha no palheiro. Supondo, apenas supondo, que a empreitada tenha êxito. Qual seria a sua reação? Ela poderia muito bem desligar o telefone, ou simplesmente se recusar a falar com o antigo namorado. Mas, por outro lado, o desafio era tentador e não custava nada tentar. Quem nessa vida pode entender as razões do coração de uma mulher? Acertou quem disse ninguém. Leonor poderia ainda amá-lo mesmo depois tantos anos, porque não? Bem, se tal fato ocorresse é porque o seu amor era verdadeiro, pois, um amor de verdade não fenece jamais, ele sobrevive à morte para renascer na eternidade. Mas se tivesse êxito em sua missão, com certeza seria o dia mais feliz de toda a sua vida. No entanto, ainda havia um obstáculo a vencer. O que lhe dizer depois de tantos anos? Sem encontrar uma resposta adequada, só havia uma solução. Deixar o coração falar. Aurélio continuava numa dúvida atroz. Procurar ou deixar tudo como está. Mexer numa ferida nunca cicatrizada poderia trazer a tona uma dor muito profunda.

Parecia aquele drama de Hamlet. Ser ou não ser. Aqui no caso: procurar ou não procurar eis a questão.

Consultou mais uma vez o seu coração e este opinou afirmativamente.

Foi para o computador munido de esperança e começou a pesquisar. Os nomes e sobrenomes idênticos eram cuidadosamente anotados num caderno. Selecionou dez nomes e foi dormir sonhando novamente com seu grande amor.

O dia amanheceu sem chuva. Um sol radiante despontava. Começava uma nova vida para a cidade e quem sabe para aquele pobre apaixonado. Com a alma e coração renovados, deu início ao seu louco plano. Logo, no primeiro dia eliminou oito nomes.

Sem desanimar, continuou a procurar. A cada número discado uma esperança renascia. A cada nova desilusão, encontrava forças para continuar sua busca.

Das duas que sobraram uma estava viajando e não sabiam informar quando voltava. A outra ninguém atendia a chamada. Depois se muitos dias de insistência finalmente, alguém atendeu. O diálogo foi pontilhado pela ansiedade e por explicações pouco convincentes, já que essa história de procurar uma pessoa perdida no passado há quarenta e cinco anos mais parecia conversa de um conquistador barato do que de um pobre homem apaixonado. Aurélio continuava a conversação, mas, tinha dúvidas de ser aquela, a mulher que procurava. Súbito, lembrou-se que ambos não dormiam sem antes ouvir a voz do outro, recitando um poema de amor.

Então, perguntou repentinamente o significado do amor. A resposta veio exatamente, como no passado, em forma de poesia:

“Difícil definir, impossível descrever, mas se alguém me perguntar não terei dúvida em responder: Certamente o que eu sinto por você”.

Só então, depois da resposta dada, teve a certeza de ter encontrado o que buscava com sofreguidão e ansiedade. Naquela noite conversaram por horas a fio. Nenhum dos dois tinha vontade ou coragem de desligar o telefone. Trocaram endereço, e, sobretudo, esperança. Esperança de finalmente realizarem os seus sonhos de amor.

Como era de esperar resolveram se encontrar no mesmo local do último encontro. Queriam demonstrar que o tempo tinha parado. Que nada havia mudado e o que tinha acontecido, entre os dois, fora apenas, nada mais, do que uma longa noite que tinha durado apenas quarenta e cinco anos. Noite que agora terminara trazendo um lindo amanhecer e um dia glorioso e harmonioso.

Na hora marcada lá estavam ambos, mudos, silentes envolvidos pela emoção do reencontro. O silêncio, às vezes, fala mais do que mil palavras.

Quando conseguiram se acalmar, Aurélio segurando as mãos de Leonor olhando bem nos seus olhos, lhe disse tudo aquilo que estava armazenado durante quarenta e cinco anos no seu coração:

Falou que sempre acreditou que um dia iria encontrá-la numa esquina qualquer, num lugar qualquer, pois, amor que um tinha pelo outro, fora abençoado no céu, tendo as estrelas por testemunhas e elas lhe disseram que eles tinham nascido um para o outro. Na verdade, nunca ficaram ausentes, pois, sempre a teve no seu coração bem como, tinha a certeza, que ele estava no seu.

Nunca tinham se separados apenas adiaram os seus sonhos de amor, os seus projetos de vida. E num e dia, como aquele ele a convidaria para caminhar pela mesma estrada que os conduziria ao paraíso aonde iriam juntos cultivarem a flor mais linda que houvesse. A flor do amor. E por fim quando a eternidade chegasse para um de deles o que fosse primeiro haveria de esperar pelo outro, pelo tempo que fosse necessário. E quando finalmente chegasse a hora do outro se reunir com a pessoa amada, no mundo da paz celestial, teriam toda a eternidade para juntos viverem do amor. Aurélio propôs em nome do amor, que no caso deles, era eterno, ficarem juntos a partir de daquele momento para sempre.

Proposta que Leonor aceitou sem hesitar.

Desta forma, combinaram que Leonor iria se mudar no dia seguinte para a sua residência. Acertaram os mínimos detalhes. Aurélio, nervoso perguntou:

- A que horas você vai chegar?

- Às 14h:00 min esta bem?

- Está ótimo.

- Mas, não faça como da última vez, que você não compareceu. Eu fiquei esperando, esperando e nada - você não veio e nunca mais deu notícias. Por favor, não mate a minha última esperança de ser feliz.

-Não, dessa vez eu não faltarei. Pode me esperar.

Despediram-se como nos velhos tempos, com beijos ardentes e apaixonados. Aurélio se sentindo um adolescente. Nada como o amor para renovar as esperanças, para encher a alma de sonhos. A humanidade precisa de sonhos para viver, e o amor é o combustível desta esperança.

No dia seguinte, desde as dez horas, a ansiedade já lhe havia tomado conta da sua alma. O relógio não andava. Parecia que o tempo conspirava contra as coisas do coração.

Preparou o apartamento com todo o carinho para receber aquela que ia lhe devolver a alegria de viver.

“Doze horas. Faltam apenas duas horas. Treze horas estou à uma hora do paraíso, pensou.”

Finalmente, o relógio marca quatorze horas. O nervosismo tomava conta da sua alma. Já fizera o percurso do quarto para sala e desta para o quarto umas quinhentas vezes. A longa espera aumentava a sua ansiedade. Já passam das 15h: 00 min e nada. Já ligara para o apartamento dela, e ninguém respondeu. Ligou para a portaria do prédio e nada.

Já são 16h: 00min e nada. Desesperado começa a achar que tudo não passou de mais um sonho na sua vida. Ela não vem. Quem sabe não se arrependeu como da última vez em que ficou esperando, esperando e ela não veio. Deveria ter sido mais romântico, demonstrar um pouco menos de ansiedade, ter mais calma e esperado algum tempo, para lhe convidar a vir morar comigo. Que pena, estraguei tudo. Minha ansiedade pôs tudo a perder.

Estava mergulhado nesses pensamentos, quando a campainha da porta começa a tocar. Correu e ao abri-la lá estava ela. Bela e formosa como nos velhos tempos. Então ela falou:

- A que horas eu disse que vinha?

- Às 14 h: 00 min, minha vida.

- Que horas são?

- Já são 17h00min horas.

- Acho que demorei um pouco, não meu amor?

- Quase nada, apenas 45 anos.

Gama gantois
Enviado por Gama gantois em 31/10/2015
Reeditado em 29/01/2016
Código do texto: T5433766
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