O SEBO
O SEBO
Gama Gantois
De certa forma, todos têm ou já tiveram um tipo qualquer de mania. Ela está tão presente em nossa vida que acaba fazendo parte integrante do nosso cotidiano. Torna-se natural.
Existem manias para todos os gostos. Das mais simples, como juntar maços de cigarros, figurinhas, até as mais sofisticadas como colecionar autógrafos de gente famosa, relógios antigos, selos e outros mais.
No caso de Rodolfo sua mania consistia em freqüentar os sebos da cidade do Rio de Janeiro. Todas as tardes com sol ou chuva, lá ia ele fazer sua peregrinação. Quando voltava vinha carregado de novidades. Eram livros dos mais variados. Rodolfo gostava de ler. Lia de tudo. Política, Filosofia, História, Economia, Religião, Romances, Poesias. Era um leitor compulsivo.
“Os livros são os melhores amigos do ser humano, Eles não traem, não ferem nossos corações, são sinceros. Com eles não nos sentimos o horror da solidão,dizia”.
Vivia só num apartamento de classe média da Zona Sul. Amigos somente uns dois ou três no máximo, não mais do que isso. Amores foram poucos em sua vida. Sofrera muitas decepções e em função disso, trancara seu coração a sete cadeados.
Era muito introvertido. O máximo que sua timidez permitia era cumprimentar os vizinhos. Nutria uma paixão secreta, pela moradora do708 mas, jamais ousara demonstrar seus sentimentos, com medo de levar um fora e ficar ridicularizado na comunidade.
Um dia, teve a oportunidade da sua vida. Ambos se encontram no elevador. Juçara era esse o nome da sua paixão, mulher bonita, inteligente, extrovertida por natureza foi logo puxando conversa com Rodolfo. Esse não conseguia articular uma única palavra. Estava tão emocionado diante da amada que o máximo que conseguia fazer era um leve movimento de cabeça concordando ou não com, suas afirmações. Quando finalmente chegaram ao térreo, suas pernas tremiam mais do que varas verdes. Rodolfo estava paralisado. Na viagem do elevador pôde sentir o hálito da mulher dos seu sonhos, sentir o arfar dos seus seios, em leves movimentos indo e vindo lentamente. Vivera um momento divino, inesquecíveis.
Outros encontros ocorreram para sua delícia, mas em todos eles sua timidez o impedira de se declarar. Tinha medo de levar um fora e assim, sepultar de vez, seu sonho de amor. Mas, concordava que aquela situação não podia continuar. Teria de haver um meio de declarar o seu sentimento sem torná-lo ridículo perante os moradores do edifício.
Foi então, que surgiu a idéia de lhe enviar toda a semana, um poema de amor dos mais renomados poetas brasileiros. Qual é a mulher que não aprecia uma linda poesia? Claro que para aumentar o mistério, manteria seu nome no anonimato Dessa forma, poderia vencer sua eterna timidez, e quando chegasse à hora, tudo ficaria mais fácil, poderia se aproximar para lhe dizer:
“- Eu sou fulano, aquele que está lhe enviando toda a semana uma poesia. Estou perdidamente apaixonado por você. Quer ser minha esposa? No dia seguinte, começou a sua busca pelos sebos da cidade. Queria algo sublime, sedutor, primoroso. No entanto, nada o satisfazia. Nada estava à altura do seu amor. Estava vivendo um momento muito crítico consigo, por isso, nada lhe agradava. Já estava quase desistindo quando finalmente encontrou o que estava buscando. Seus olhos bateram num título que lhe satisfazia plenamente. Encontrara “Os Mais Belos Sonetos que O Amor Inspirou”. Era uma coletânea das mais belas poesias catalogadas pelo grande poeta J. G. de Araújo Jorge. Era exatamente o que procurava. A edição não estava grande coisa, mas os versos estavam intactos. Era o que lhe bastava.
Ao chegar a casa, começou o processo de seleção. Que soneto enviaria primeiro? Folheia daqui, folheia dali e novamente o nível de exigência estava altíssimo. Passou por vários poetas. Abgar Renault, Adelmar Tavares, Alphonsus Guimarães Filho. Todos os poemas eram belíssimos, mas não expressavam seus sentimentos. Queria algo que falasse a sua alma, ao seu coração., pois se o poema tocasse em si, certamente tocaria o coração de Juçara.Assim, nada lhe agradava.
Quando chegou ao “Soneto Póstumo”, de Mário Quintana, encontrou um pequeno papel, servindo de marcador de páginas, contendo um nome de mulher e um telefone. A princípio não ligou para o fato, pois estava mais interessado em achar o soneto certo. Continuou sua procura até a exaustão. Parou para pensar, quando seus olhos bateram de novo no papel deixado no livro.
A curiosidade é um bichinho roedor que vai roendo, roendo até atingir seu objetivo. Então, começou a pensar naquela mulher do papel. Quem seria? Por que seu nome e telefone se encontravam ali perdido num livro de sebo? Há quantos anos ele dormia esquecido naquela página? Rodolfo não conseguia uma explicação convincente para tal fato. As respostas encontradas para as suas indagações não o satisfaziam. Tinha uma vontade enorme em saber quem era tal pessoa. Por inúmeras vezes chegara a pegar o telefone com intuito de ligar, mas, desistira no meio do caminho. No entanto, não conseguia se desvencilhar daquela curiosidade. Muitas vezes, ficava imaginando como seria aquela mulher. Seria bonita? Velha? Jovem? Assim, os dias iam passando, aumentando cada vez mais a sua curiosidade, Uma noite, depois de muita meditação, resolveu acabar com o mistério. Enchendo-se de coragem, pegou o telefone e arriscou. Afinal nada tinha a perder. Do outro lado da linha, atendeu uma voz cheia, assemelhada a contralto, portanto bastante sensual. Rodolfo gostara do que ouvira.
A princípio meio sem graça, deixando transparecer o seu acanhamento, começou a falar com a mulher, a quem chamava de misteriosa. Sentindo reciprocidade, aos poucos foi se soltando, vencendo a sua timidez crônica. Conversaram durante horas a fio. Em pouco tempo pareciam velhos amigos.
Durante toda a semana conversaram pelo telefone. Esse, digamos, “namoro” durou quase dois meses. A princípio ela ficara um pouco incrédula, mas acabou acreditando na história do papel esquecido num livro.
Finalmente, se conheceram. Ambos ouviram os tais sininhos do amor. Daí para a paixão foi um pulo e como eram livres e carentes resolveram dar um passo maior nas suas vidas. Resolveram se casar, fato que ocorreu imediatamente. Por precaução, Rodolfo fora proibido pela esposa de freqüentar os sebos. Vamos que ele encontre perdido num livro, um papel com o nome e telefone de mulher...?