Em Terra de Capão Ninguém Quer Ficar Capado

Em Terra de Capão Ninguém Quer Ficar Capado

Gama Gantois

Esta história aconteceu nos anos trinta, numa cidade do interior do Rio de Janeiro Três Morros. Naquele tempo, vivíamos os estertores da política do café-com-leite onde coronelismo predominava propiciando autoritarismo e abuso do poder.

Dessa forma, a cidade de Três Morros, estava dividida. Uma metade pertencia ao “coronel” Tibúrcio, um homem sem caráter, sem escrúpulos e sem nenhum pudor, capaz das maiores atrocidades, para conseguir seus objetivos. Era conhecido como coronel “ternura”.

A outra metade da cidade estava sob o domínio do temível “coronel” Trancoso, um homem cínico, falso religioso e freqüentador assíduo dos cultos religiosos. Não perdia uma missa, uma ladainha ou uma festa religiosa. Iludia o povo tentando mostrar um lado seu que não existia na sua vida. O lado da sua bondade. Por isso, o povo, na sua sabedoria, o apelidou de Coronel “bondade.” Na verdade, com ele não havia meias palavras. Era tudo ou nada. Era acusado de ter cometido ou mandado cometer vários assassinatos, sem que, contudo, houvesse provas conclusivas contra ele.

Coronel Ternura e o Coronel Bondade se odiavam e segundo diziam à boca pequena, tinham a mania de mandar capar todos àqueles que se colocavam em seus caminhos, atrapalhando, seus negócios. Os homens da cidade tinham pavor dos coronéis. Ninguém ousava contrariá-los, pois, tinham receio da possibilidade da castração.

Os coronéis mantinham uma disputa sem quartel e constante pelo controle da cidade. Travavam uma luta ferrenha, mortal e sem trégua. Ambos sonhavam em aniquilar o rival para poder assim ter o domínio absoluto da cidade de Três Morros. Cada qual tinha autoridade ilimitada sobre a sua jurisdição. Nenhum deles se atrevia a invadir o lado do outro. O chão pisado por um jamais era pisado pelo outro. A rivalidade era tanto que bastava um coronel realizar alguma obra, ou algum benefício do seu lado, para ser imitado pelo outro. Existiam na verdade duas cidades. Uma parte pertencia ao Coronel Ternura. A outra, ao Coronel Bondade.

Sendo assim, caiu como uma bomba nas hostes do coronel Trancoso, a notícia que seu arquiinimigo estava criando um time de futebol, para disputar o campeonato da liga local, batizado com o nome de Estrela Azul Futebol Clube. Para formar um timaço, o patrono do clube, não fez economia. Abriu a algibeira e contratou os melhores profissionais da cidade.

Para não ficar numa posição de inferioridade, o coronel Trancoso, anunciou a criação do seu time, o qual batizou de Esporte Clube Sol Nascente. Assim como seu rival, não mediu esforços. Gastou uma boa soma contratando os melhores profissionais da região

A cidade ganhou dois poderosos clubes: o Esporte Cube Sol Nascente e o Estrela Azul Futebol e como era de se esperar ficou dividida. A Federação local, prudentemente, estabeleceu que o encontro entre os dois novos clubes acontecesse na última rodada do campeonato. A emoção estava no ar. Nos bares, lojas, colégios, a criação e o encontro dos times era assunto obrigatório. Não se falava de outra coisa. A Imprensa local, ávida por lucros, tratou de por fogo na discussão. Os jornais e as rádios patrocinados pelos respectivos coronéis se atacavam mutuamente. Para apimentar ainda mais aquela situação foi criada uma bolsa de aposta. Quem será o campeão?

Nenhum dos dois coronéis admitia possibilidade de perder o campeonato de futebol daquele ano. Era uma questão de honra. Seus times, a cada rodada iam massacrando seus adversários, o que aumentava a ansiedade e a tensão da população e levava a alegria para os patronos. O dia do grande jogo se aproximava velozmente. A imprensa começou a chamá-lo de o jogo do século.

A população contava os dias. Faltam tantos dias, para o grande desafio. Os coronéis exultavam de satisfação. Faziam pilhéria com o time adversário, aumentavam suas apostas numa provocação muito perigosa. Já se sentiam vencedores.

Finalmente o grande momento estava chegando. No domingo, próximo aconteceria o tão esperado encontro, chamado pela mídia local de o acontecimento do ano, do século, do milênio. O Estrela Azul enfrentaria o Sol Nascente. Quem venceria? Como sempre a cidade estava dividida. As opiniões eram as mais contraditórias, mas uma coisa todos concordava o time que perdesse ia pagar um preço muito caro pela derrota.

Ambos os coronéis não mediram esforços nem sacrifícios para alcançarem seus objetivos. Não deixaram faltar nada, aos jogadores. As promessas foram muitas. Os vencedores teriam prestígios, dinheiro e a eterna gratidão dos seus respectivos patrocinadores. Mais se ocorresse o contrário, as ameaças eram terríveis. Pairava sobre as cabeças dos jogadores, a ameaça de serem capados da mesma forma como os coronéis capavam seus porcos. Os jogadores tremiam nas bases só em pensar em tal possibilidade. Suas esposas, noivas e namoradas fizeram promessas aos santos conhecidos e aos desconhecidos. Por via das dúvidas, como um reforço, foi ao Pai de Santo local pedir proteção para os seus homens.

No sábado, véspera do grande jogo, os times por ordem dos seus dirigentes, se concentraram nos hotéis dos seus respectivos protetores. Tratava-se de uma medida saneadora, a fim de evitar surpresas desagradáveis e garantir a vitória do seu time. O coronel Tibúrcio foi ao baixo meretrício da cidade e contratou as mulheres mais lindas, para se hospedarem no hotel do coronel Trancoso e proporcionar aos jogadores do time adversário uma noite inteira de amor e orgia. Eles não deveriam sequer cochilar. Foi uma verdadeira orgia, regada a sexo e álcool.

Acontece que o coronel Trancoso teve a mesma idéia. Contratou as mulheres mais lidas do bordel da cidade vizinha. A ordem era esgotar todas as energias dos jogadores, deixá-los exauridos, sem forças. As meninas cumpriram fielmente o combinado. Foi uma noite e tanto. Tanto de um lado como do outro, os jogadores se entregaram de corpo e alma àquela farra sem medir as conseqüências daquele ato impensado. Alguns jogadores só foram dormir quando sol já ia alto.

O jogo estava marcado para as 15 horas, daquele domingo de verão. Quando os dois times entraram em campo, estavam totalmente esgotados. Olheiras profundas, pernas frágeis, falta de fôlego e uma desmotivação fora do comum.

Os capangas dos coronéis foram dispostos em pontos estratégicos, prontos para intervir, se fosse necessário. O pequeno estádio abrigava uma multidão de torcedores dos dois times. O calor era insuportável, mais de quarenta graus centígrados a sombra. Dentro do campo, ao sol, os termômetros atingiam acima de cinqüenta graus.

Às 15h: h 00 min., em ponto, a bola começou a rolar, para delírio da platéia. Ocorre que os jogadores exaustos pela farra da noite anterior arrastavam-se pelo gramado. Mal conseguiam andar, quanto mais correr atrás da bola para desespero dos coronéis.

Trancoso e Tibúrcio já estavam começando a pensar em suborno e começaram a ameaçar os jogadores de que seriam capados quando alguém contou para os coronéis o sucedido na noite anterior. Das delícias da festinha a que se entregaram os atletas.

Ao findar o primeiro tempo, o placar estava em branco, sem que nenhum jogador chutasse pelo menos uma única vez a gol. No intervalo entre primeiro e o segundo tempo, os coronéis, destilando ódio por tudo que é poro desceram ao vestiário para se inteirar do ocorrido. Na frente dos jogadores, os coronéis, fizeram uma ameaça terrível.

Reiteraram as ameaças de que se eles perdessem àquele jogo pela irresponsabilidade da farra da noite anterior todos eles seriam sem exceção, capados feito um porco. Todos sabiam que os coronéis cumpriam suas promessas.

Ameaçados de perderem suas masculinidades, entraram para o segundo tempo tentando correr para decidir o jogo. Bem que tentaram, mas, as pernas não obedeciam às ordens vindas do cérebro. O jogo continuava ruim e arrastado, sem nenhuma emoção, para desespero dos patronos. Vendo que o jogo não melhorava que os jogadores continuavam se arrastando em campo, os coronéis gritaram quase a uma voz:

-Capem os home, gritou o coronel Trancoso.

-Capem os home, gritou o coronel Tibúrcio.

Olha, posso afirmar com a maior segurança que tem jogador correndo até hoje. Afinal, em terra de capão, ninguém quer ficar capado.

Gama gantois
Enviado por Gama gantois em 29/10/2015
Código do texto: T5431485
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