Uma sexta Feira,Verdadeiramente Santa.
Uma Sexta-Feira, Verdadeiramente Santa.
Gama Gantois
Naquela sexta-feira santa, deixara o hospital, extremamente abatido. Sua única filha estava praticamente desenganada pelos médicos. Seu estado de saúde era desesperador.
Já na rua, a caminho de sua residência, Leonardo começou a passar sua vida a limpo. Trabalhava como restaurador de artes, profissão pouco rendosa principalmente no Brasil, mas que lhe dava grandes satisfações. Sua reputação profissional chegava até ao exterior.
Apesar de todas as dificuldades financeiras, jamais pensou em migrar para uma profissão mais lucrativa. Aliás, esse apego às artes, foi o principal motivo da sua separação. Sua esposa, cansada de viver na maior dificuldade e não vendo perspectiva de uma vida melhor, largou tudo: marido filha ainda pequena e ganhou o mundo.
Leonardo enfrentou a situação com galhardia e dedicação exclusiva a sua filha. Transformou-se em pai e mãe ao mesmo tempo. Materializava todos os desejos da menina. Afastou a hipótese de um novo casamento, porque não queria interferência de pessoas estranhas na educação da sua garotinha. Sua vida se resumia em trabalhar para melhor cuidar da família.
Agora aos 15 anos, na flor da idade, com um belo futuro pela frente, lá estava ela, atirada numa cama de hospital, entre a vida e a morte. Não era justo. Deus estava sendo tremendamente injusto. Mas Deus será que Ele existe mesmo? Vai ver é uma tola invenção dos homens tolos. Um Deus que mata. Que semeia doenças. Que promove catástrofe, não deve ser boa coisa!
Estava tão imerso nesses pensamentos que não percebeu que pegara o ônibus errado.
Acomodado dentro do veículo, continuou mergulhado em seus pensamentos. Estava tão longe da realidade, que nem viu que chegara ao ponto final, no Largo do Machado. Só então, percebeu o equívoco que cometera. Isto o obrigaria a pegar um segundo transporte.
Aborrecido e mal dizendo aquele dia, atravessou toda a praça a pé. Caminhou até o ponto seguinte para pegar o segundo ônibus. Quando estava quase chegando, percebeu uma movimentação diferente. Uma multidão se comprimia para ver passar a procissão do Senhor Morto. Só então se lembrou que estava na Sexta-Feira da Semana Santa Nessas circunstâncias teria que andar um pouco mais, já que naquela parada de ônibus, seria impossível pegar a sua condução. Soltando alguns impropérios, inclusive contra a religiosidade do povo, continuou a sua caminhada. Ao passar pela porta lateral da igreja, quis o destino que encontrasse uma imagem de Nossa Senhora da Glória, tamanho grande, toda quebrada. Seu primeiro impulso como artista foi de levá-la para casa a fim de restaurá-la. Mas, estava brigado com Deus e com os santos. Por isso, seguiu seu caminho sem olhar para trás e sem nenhum arrependimento. Imediatamente aflorou em seu pensamento, que as imagens dos santos são pura crendice, pois, tem boca e não fala, tem pés e não anda ouvidos e não ouve.
Sua condução logo chegou. Entrou, sentou-se no primeiro banco vago e nesse momento começou a sentir uma estranha sensação. Uma voz imperiosa vindo de dentro da sua consciência ordenava a sua volta para pegar a Santa abandonada. Essa voz foi aumentando até tornar-se irresistível. Tornou-se tão forte que acabou vencendo a sua resistência. Desceu no ponto seguinte e foi ao encontro da Santa.
A imagem era enorme quase do tamanho natural. .Surgiu então, uma dificuldade. Como levá-la? Foi nesse momento que uma senhora que a tudo assistia lhe ofereceu uma sacola. Apesar de achar o fato estranho, Leonardo agradeceu e foi para a casa carregando a Virgem.
Quando finalmente chegou, em casa foi acometido por forte emoção. Era como a Santa pedisse para ser restaurada. Era como se uma força misteriosa o impelisse para trabalhar na restauração. Só então se lembrou de que nunca restaurara santos ou Virgens. Aquela seria a primeira em toda a sua vida.
Trabalhou com denodo a noite toda. Nunca estivera tão entusiasmado. Seus dedos corriam febrilmente pela imagem. Eram com se fossem guiados por uma força divina. Estava tão concentrado que não vira que amanhecera. Sua obra estava acabada. Ao olhar o resultado ficou deslumbrado. Estava lindíssima. Uma auréola branca envolvia a imagem. Esta irradiava uma luz muito branca que descia dos céus envolvendo a imagem.
Estava admirando a virgem quando o telefone toca. Seu coração dispara. Um pressentimento ruim tomou conta do seu pensamento. Tinha certeza que era do hospital. Com o corpo todo tremendo foi atender ao telefone. Leonardo se preparou para o pior. Estava certo. Realmente era do hospital informando que sua filha inexplicavelmente, para a medicina, tivera uma melhora fantástica e que não corria mais perigo de vida.
Seus olhos marejados pelas lágrimas se fixaram na belíssima imagem de Nossa Senhora da Glória. Então, aos prantos, ajoelhou-se e agradeceu a graça alcançada. Estava tão contrito que até hoje, jura ter ouvido uma voz que lhe disse:
“Meu filho, os caminhos de Deus ás vezes são longos e penosos, mas, não podemos perder a fé, pois, quem tem fé, tem amor; quem tem amor, tem Deus no coração e quem tem Deus no coração é digno de mim e de meu filho. Foram esses predicados que salvaram a vida da sua filha”.
Chorando e ainda de joelhos Leonardo balbuciou: Milagre de Nossa Senhora da Glória. Milagre dessa sexta-feira, verdadeiramente santa.
A fé tinha voltado para aquele coração.