Um Amigo Inesquecível
Um Amigo Inesquecível.
Gama Gantois
Olá pessoal. Antes de começar a nossa história, gostaria de me apresentar. Sou um cão desencarnado há mais de setenta anos. Estava curtindo a maravilha do paraíso,quando recebi instruções do Criador para recepcionar o meu antigo dono, já que ele está prestes a deixar o mundo material. Minha missão é tornar os seus primeiros momentos de vida na eternidade da melhor maneira possível. Ensinar o caminho da felicidade.
Na minha passagem pela terra, fui batizado com o nome de Nego, sem raça definida, ou seja: um legítimo vira-lata. Na verdade não era feio. Era um cachorro bastante interessante. Era todo branco com um olho negro, como se fosse um tapa-olho pirata. Tinha um ponto a meu favor. Minha inteligência. De fato era bastante inteligente e graças a ela conseguia conquistar as pessoas.
Sei que alguns de vocês devem estar pensando que enlouqueceram, pois jamais poderiam pensar que nós animais, ditos inferiores, seríamos possuidores de alma. Na verdade, os homens são soberbos, acreditam que só eles são filhos de Deus. São tolos. Deus criou todo o universo, portanto, tudo o que existe na terra, inclusive os animais são criação Divina. Somos filhos do mesmo pai. Na verdade somos irmãos como dizia São Francisco de Assis, o homem que mais se aproximou dos ensinamentos de Jesus Cristo. Bem acreditem ou não sou um cão desencarnado com uma missão para cumprir e vou cumpri-la.
Mas, vamos começar a nossa história do início. Nasci com mais quatro irmãos. Desde cedo fui destinado para ser o cão da irmã da dona a minha mãe. Assim, quando mal completei três meses, fui arrancado dos braços da minha genitora. Os humanos pensam que não sentimos essa separação. Ledo engano. Tanto os filhos quanto a mãe sofrem barbaramente a dor desse afastamento Para nós cães, saudade não significa que estamos longe um do outro, mas sim que estivemos juntos algum dia. Por isso, nossas saudades são eternas.
Ocorre que por sermos mais evoluídos e por termos acesso as informações do grande livro do destino sabemos, por exemplo, que no fim seremos recompensados por esses e outros sacrifícios.
Quando cheguei a minha nova residência, fui muito bem recebido por todos. Era uma família numerosa e todos disputavam os meus afetos, o meu carinho, mais o meu coração bateu, mas forte pelo caçula da família, um guri de oito anos, meigo e sensível. Foi amor à primeira vista. A partir daí surgiu entre nós uma amizade muito profunda. Tornamo-nos cúmplice. Um protegia o outro. Assim fomos crescendo. Como os cães são mais evoluídos do que os homens tornei-me adulto mais rapidamente do que o meu amigo. Juntos fomos protagonistas das mais variadas travessuras. Ruía tudo que podia. Ruía sapatos, meias, tudo o que encontrava pela frente, porém, os meus favoritos eram pés de cadeira e de mesas.Claro que contava com a proteção do meu amigo Júnior. Era tudo muito divertido. Adorava levar os outros ao desespero. Só respeitava as coisas do meu dono. Ali eu não mexia, em nada, tudo era sagrado.
De todas as minhas façanhas, a mais famosa ocorreu quando Júnior brigou com Peteleco, o valentão do bairro, um sujeito muito maior e muito mais forte. Júnior estava levando a pior, resolvi então dar uma ajudazinha. Sorrateiramente, cravei meus dentes na panturrilha do inimigo e só parei quando o sangue esguichou. O valentão gritava de dor e de desespero. Foi assim que vencemos aquela briga e nos tornamos famosos. Ninguém ousava se intrometer no nosso caminho. Graças a minha fama de valentão conquistei muitas garotas. Ah! Tempo bom. Sentia-me o próprio Barba-Azul ou será D. Juan? Não importa. O importante é que fui dono de um imenso harém. Essa é a grande falha do paraíso. Ausência de sexo. “È como disse um grande filósofo”. Nada é perfeito nem nesse ou no outro mundo” Bem se alguém não disse essa frase agora eu disse.
A vida seguia seu curso normal. Eu era feliz. Só ficava triste com a ausência do meu menino quando ele ia para o colégio. Nesses momentos ficava muito triste e morto de saudades, doido para que chegasse a hora do seu retorno.
Eu ficava no portão da casa aguardando a hora da sua volta. Quando ele apontava na esquina, eu corria na sua direção latindo e abanando a cauda de satisfação e alegria. Júnior abria os braços colocava-me no colo, abraçava-me fazia carinho, dizia frases de amor e de saudades. Minha gente como eu era feliz.
Mas, o melhor momento era quando íamos jogar bola. Eu confesso, adorava jogar futebol, principalmente se o meu parceiro fosse Júnior. Às vezes pegava a bola e saia em disparado feito um louco pelo quintal. Júnior corria atrás de mim sem, contudo, conseguir me alcançar. Exaustos, sentávamos sob a mangueira e ficávamos descansando,rindo dos nossos folguedos. Bons tempos que não voltam mais.
Meus amigos, a vida só pode compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente. Assim, vamos continuar a nossa história. Vamos em frente.
Quando eu tinha seis anos e Júnior uns quinze, um vizinho malvado sem caráter deu-me carne envenenada. Senti dores horríveis. Não compreendia o que estava acontecendo. De repente, comecei a sentir muito frio, a vista ficou escura, as dores aumentaram consideravelmente, comecei a sentir-me fraco. Minha agonia durou uns dez minutos. Depois, foi à escuridão total, uma sensação de vazio, de leveza. Parecia que estava flutuando pelo espaço sem fim. Da escuridão começou a surgir ao longe uma luz muito branca, muito forte que se aproximava de mim velozmente. Comecei a sentir um bem-estar maravilhoso. Quanto mais me aproximava da luz e por ela era envolvido mais aumentava o meu sentimento de felicidade. Não sei bem o que passou. Só sei que era uma sensação maravilhosa. Quando tomou conhecimento da minha morte, Júnior chorou uma barbaridade. Abraçado ao meu corpo inerte, não queria deixar que fosse sepultado. Eu a tudo assistia, penalizado, mas, sem poder fazer nada para ajudá-lo. Depois de muita luta, finalmente fui sepultado, no quintal, sob a mangueira que durante anos a fios nos abrigou do cansaço das nossas traquinagens. Volta e meia no mundo espiritual, onde me encontrava, assistia Junior chorando no local onde fui enterrado. Quero aproveitar a oportunidade que tenho agora para pedir a vocês uma coisa. Quando alguém muito querido fizer a passagem, não fiquem chorando. As lágrimas dos que ficaram não fazem bem aos que partiram. Encarem com naturalidade. Lembre-se que um dia estaremos todos juntos. È só uma questão de tempo. Mas, continuemos nossa história.
Foi durante o meu enterro que Júnior sussurrou aos meus ouvidos que jamais teria outro cachorro. Eu seria o primeiro e o último na sua vida, pois seria a partir daquele momento o seu amigo inesquecível. E assim foi. Nunca mais quis ter outro animal de estimação. Durante toda a sua vida, sempre teve momentos de saudades. Sempre teve tempo para uma prece, para uma oração pela minha alma.
Agora sua vida está chegando ao fim. Cabe a mim, recepcioná-lo na eternidade. Hoje é o grande dia, o dia que eu e Júnior estaremos juntos novamente na eternidade. Mal posso esperar. Lá vem ele. Está chegando...
-Nego meu amigo, inesquecível. Que saudades. Que alegria estar contigo novamente.
-Eu esperei por você aqui por mais de setenta anos. Agora, estamos juntos para sempre.
- E eu sempre tive a esperança de reencontrá-lo, pois, você inclusive entre os humanos foi sempre o meu único a amigo sincero. Meu amigo inesquecível.
DEDICATÓRIA
Este conto foi escrito em memória do meu grande amigo Nego assassinado, por uma alma perversa.
Só espero que esta história se realize que possamos nos reencontrar na eternidade. Essa é a minha grande esperança.
O Autor.