O Polemista
O POLEMISTA.
GAMA GANTOIS.
Felisberto era uma pessoa de difícil convivência, mas, seu maior defeito era ser controversista. Adorava polemizar. Tinha a mania de contrariar as pessoas, mesmo que compartilhasse da mesma opinião. A polêmica estava no seu sangue. Era um verdadeiro camaleão. Mudava de lado com maior facilidade, desde que essa mudança lhe proporcionasse uma belíssima discussão. Bastava ouvir alguém defendendo uma posição para que ele tomasse um rumo oposto. .Era socialista num debate entre capitalistas. Capitalista, entre os socialistas. Era a favor do divórcio entre os católicos e contra, no movimento feminista. Sentia um prazer enorme em infernizar a vida das pessoas. Adorava contrariar amigos, companheiros e conhecidos seus. Era realmente um ser polêmico ou um polemista, conforme gostava de ser chamado.
Dessa forma, ninguém podia entender como o seu futuro casamento com Ritinha pudesse dar certo, já que ao contrário do noivo, ela era meiga, dócil, cordata e detestava polemizar. Dizem, entretanto, os entendidos, na arte do amor, que os contrários se atraem, tenho minhas dúvidas, mas, talvez esteja aí a explicação para tal fato. Só assim, podemos compreender tamanha atração que um sentia pelo outro.
O casamento marcado movimentou toda a cidadezinha do interior do Estado. Todos queriam ver Felisberto casado. Só assim ficariam livres das suas discussões tolas e muitas vezes infantis. Apostavam que na hora de pronunciar o famoso sim, diria um quem sabe, ou um talvez, só pra contrariar seu vigário e iniciar ali mesmo, na igreja, uma belíssima discussão. Era voz corrente na cidade que Felisberto aprontaria alguma coisa, já que não era homem de concordar com os outros. Felizmente nada do previsto aconteceu. O casamento foi tranqüilo e sem incidentes.
Quando voltaram da lua de mel, todos acharam Ritinha triste e abatida. Nos seus olhos brilhavam uma ponta de desilusão. A felicidade passava longe daquela mulher. Mais tarde confidenciou as amigas às dificuldades para viver em paz e em harmonia com marido. Estava muito difícil conviver com ele. No recesso do lar era um homem de poucas palavras, que exigia muito dela nas tarefas domésticas. Para piorar a situação estava sempre pronto para discutir por qualquer motivo. Nunca estava satisfeito com coisa alguma, por mais que ela se esforçasse. Nunca sofrera tanto na vida. Se pudesse desfazer o casamento não pensaria duas vezes. Sua vida tinha se transformado num verdadeiro inferno. Sentia saudades da vida de solteira. Da vida serena e tranqüila da casa paterna, onde seus desejos eram plenamente satisfeitos. Das ladainhas de todas as tardes. Do seu livro de poesias que agora seus afazeres domésticos não lhe permitiam ler mais.
No entanto, o seu aborrecimento maior era a insatisfação do cônjuge com as suas atividades culinárias. Suas reclamações descabidas e sem propósito a faziam sofrer muito, levando o desespero para aquele coração simples e puro.
Todos os dias ele ia almoçar em casa. Até aí tudo normal. Ocorre que nunca estava contente por mais que a mulher se esforçasse. Reclamava de tudo que ela fazia. Desde o tempero, conhecido como o melhor de toda região, até a toalha sobre a mesa. Felisberto reclamava, reclamava. Nada o satisfazia. Sua alegria era ver o desconforto e o sofrimento estampado no rosto da pobre mulher. Esta fazia de tudo para lhe agradar sem resultados práticos. Felisberto não se emendava e piorava a cada dia. Mal chegava ia logo perguntando pelo cardápio do almoço. Fosse qual fosse ele discordava sempre. Se o cardápio era peixe, queria um bife acebolado. Se no dia seguinte querendo agradar, ela fizesse o bife acebolado, seu desejo já tinha mudado para galinha caipira. E assim, seguia sua vida, querendo sempre o que não tinha, só para ter um motivo para discutir.
Cansada desse sofrimento, Ritinha resolveu por um ponto final naquele martírio. Um dia, bem cedinho, assim que se viu sozinha, foi para cozinha e começou a preparar vários pratos. Fez de um tudo. Estava disposta a dar uma lição naquele homem intransigente.
Tudo preparado começou a botar a mesa no alpendre. Um lugar muito bonito, bastante arborizado. Escolheu a melhor toalha de linho, os melhores cristais da família, a louça mais fina e ficou aguardando a chegada do esposo. Quando este apontou no portão, um passarinho inoportuno sujou a ponta da toalha de linho branco. Sem ter tempo de trocá-la, só lhe restou uma alternativa. Dobrar a ponta da toalha para ocultar toda aquela sujeira.
Morto de fome, Felisberto foi logo indagando pelo cardápio do dia. Ritinha foi dizendo aos poucos o que preparara para o almoço:
-Temos uma formidável macarronada, ao sugo conforme você gosta.
- Não. Eu gostaria comer era uma deliciosa carne-assada, com batatas coradas.
- Não seja por isso. Está aqui a sua disposição.
- Não, pensando melhor carne vermelha não é muito saudável. Um peixinho frito bem temperado cairia melhor, você não acha?
- Tanto acho que preparei um especial pro meu maridinho.
- Caramba! O que está acontecendo nesta casa? Você já esqueceu que as quartas – feiras eu gosto de comer um magnífico bife de carne – de- porco bem passado?.
- Claro que esqueci. E tanto isto é verdade que preparei um bife de porco muito especial.
Felisberto já estava irritadíssimo. Percebendo que aquele não era o seu dia e que não ia conseguir contrariar a mulher, perguntou raivoso:
- Você tudo pra eu comer. Mas, tem uma coisa que garanto que não nesta casa.
- O que é meu bem?
- E titica tem?
Ritinha sorrindo desvirando a ponta da toalha disse.
‘- È aí que você se enganou, meu bem. Desvirando a ponta toalha, com o sorriso da vitória estampado nos lábios disse.
- Pode se servir.
Surpreso, com o acontecido, Felisberto nunca mais foi o mesmo. Nunca mais polemizou. Finalmente, a paz voltou a reinar para Ritinha.