O Velho Argemiro
O Velho Argemiro
Argemiro era um solitário. Vivia afastado de tudo e de todos. Há longos anos evitava qualquer tipo de contato social. Mas o que teria acontecido de tão importante na vida desse homem, capaz de transformá-lo num ermitão? Sua vida começou a mudar num domingo de carnaval,quando fantasiado, de marinheiro, chegou bem cedinho à Avenida Rio Branco para brincar o carnaval. Naquela época, o folguedo carnavalesco de rua da cidade do Rio de Janeiro, era fantástico. Argemiro então na flor da mocidade esbaldou-se em todos os blocos e cordões que surgiram na Avenida. Ao anoitecer, já um pouco exausto resolveu dar um tempo no Cordão da Bola Preta. Desejava dar uma pequena pausa na folia, saborear uma cervejinha bem gelada, acompanhada de uma caipirinha caprichada e quem sabe, encontrar uma foliona capaz de conquistar o seu coração e que estivesse a fim de se transformar na mãe dos seus filhos. Acabou encontrando Adelaide, uma belíssima colombina de pompom grená. Ao vê-la julgou estar diante de uma deusa exposta na tela de Rubens. Em pouco tempo estavam atraídos um pelo outro. Nascia ali uma grande paixão. Foram dias inesquecíveis compartilhados pelo casal.
Quando a folia terminou combinaram um encontro, que jamais se concretizou já que Adelaide não compareceu. Nunca mais a viu. Aquele amor foi um sonho transformado em poeira levado por um vendaval para o infinito.
Argemiro acabou encontrando na solidão o remédio para o seu mal de amor. Agora, aos 86 anos de idade, desejava romper com o seu modo de vida, e nesse caso, nada melhor que recomeçar do ponto onde tudo tinha parado: No carnaval. Queria ir ao encontro do seu próprio destino. Retomar o fio da sua história. A folia me deu depois me tirou e quem sabe não me devolve? Com este pensamento partiu para a brincadeira.
Ao chegar à Avenida Rio Branco, encontrou uma cidade completamente modificada e uma festa totalmente diferente. Não havia mais foliões vestidos de mulheres e estas, de homens, muito menos as ricas fantasias coloridas de príncipes, ciganas e pierrô. Acabaram com o lança-perfume, tão tradicional no carnaval carioca, com a mesma desfaçatez que acabaram com os bondes, ponto alto do folguedo de rua da cidade e o grande responsável pela alegria dos carnavalescos. Quem não se recorda do “Bonde da Alegria” que no sábado, no primeiro dia da festa, durante o seu trajeto de Madureira ao Largo do São Francisco esbanjava alegria e irreverência ao anunciar que o carnaval tinha chegado? Ah! Os bondes! Que saudades das suas melodias imortais.
“Seu condutor dim, dim
Seu condutor dim ,dim
Pára o bonde
Pra descer o meu amor”
Sofreu um duro golpe ao saber que os Ranchos não desfilavam mais. Logos eles, responsáveis pelos momentos mais sublimes da festa. Os Ranchos eram o florescer da primavera ardente. Eram borboletas ao sol bailando sobre as flores de um jardim de sonhos. Suas lindas marchas conjugavam a beleza da letra com a leveza da música. Que saudades do Ameno Resedá, Cananga do Japão, Flor do Abacate, Índios do Leme, Decididos de Quintino. Os Ranchos eram poesias em forma de música e dança desfilando pelas ruas do Rio de Janeiro.
E as fanfarras, anunciando o início dos desfiles das Grandes Sociedades? Cadê os Tenentes Diabo, Democráticos, Fenianos e muitos outros.
A Praça Onze, outrora templo dos sambistas e berço do samba, local dos primeiros desfiles das Escolas, como A Deixa Falar, Mangueira e a Portela, foi transformada na Avenida Presidente Vargas. Uma lástima.
O baile de Gala do Teatro Municipal, onde brilhava o gênio de Zacarias do Rego Monteiro, com o seu eterno Pierrô e o magnífico Clovis Bornay com seus Luízes e Czares, teve um fim inexplicável. Deplorável!
E a Galeria Cruzeiro, ícone dos foliões foi transformada num horrível espigão. Ainda pode-se ouvir as vozes dos carnavalescos sufocadas pelo concreto armado, cantando: Alá ô ô ô, ô mais que...
Estava assistindo ao mais ridículo espetáculo da Terra, antítese da folia. Querendo voltar as suas origens, o velho Argemiro voltou ao Cordão da Bola Preta. Se recordar é viver o momento várias vezes vamos vivê-los novamente, pensou consigo.
Escolheu uma mesa de pista para fica próximo ao salão, e apesar da proibição médica, pediu uma cervejinha, e uma caipirinha caprichada e uma porção de lingüiça.
Comeu, bebeu até fartar-se e acabou sonhando com os carnavais vividos por ele. Foi no primeiro dia da folia, naquele mesmo local fantasiado de marinheiro que conheceu a colombina dos seus sonhos, o seu amor imortal. Dizem que amor de carnaval não cria raízes mais, aquele permaneceu eternamente no seu coração. Argemiro continuava sonhando com o tempo pretérito
Na visão dos seus sonhos de repente não estava mais no Cordão da Bola Preta, mas sim, na Avenida assistindo o desfile dos foliões, blocos de sujo, Ranchos, as Grandes Sociedades e as lindas fantasias que promoviam um lindo desfile. No momento seguinte não estava mais na Avenida, mas, sim no clube. Estarei louco pensou? Vai ver enlouqueci e estou num manicômio qualquer Ou será que estou sonhando? Nessa confusão mental o passado fundiu-se ao presente, criando uma nova realidade.
O que estava ocorrendo estava muito além da sua imaginação. E ele a tudo assistia aparvalhado. No meio daquele turbilhão de acontecimentos e de confusão mental, acabou encontrando a colombina dos seus sonhos, Adelaide, a sua deusa.
Cada vez mais confuso, já não sabia se era sonho, loucura, fantasia ou imaginação. Na verdade, não estava interessado entender. Coisa alguma. Só tinha um desejo: curtir aquele momento louco. Extravasar a saudade reprimida por um longo tempo em seu coração. Emocionado pelo momento, exclamou:
-Querida, hoje aprendi duas coisas: A felicidade existe e tem um nome: Adelaide. E o amor não se conjuga no passado. Ou se ama para sempre ou nunca se amou. Estou amando essa situação embora não estou compreendendo nada do que está se passando.
Com voz suave Adelaide com um largo sorriso de felicidade nos lábios lhe falou:
- Amor, calma. Logo, logo você estará entendo tudo. Venha. Beija-me como só você sabe me beijar.
Argemiro colou os seus lábios nos lábios da moça sussurrando em seus ouvidos:
-Nunca mais vamos nos separar, promete?
-Prometo minha vida.
Quando iam deixando o Cordão da Bola Preta, embriagados pela felicidade, e pela emoção do reencontro, Argemiro ouviu o garçom dizer:
- “Pobre velho. Que ironia, morrer no primeiro dia de carnaval, nas dependências de um clube carnavalesco, fantasiado de marinheiro”.